Sete poemas de Thaís Campolina
Thaís Campolina Martins nasceu em Divinópolis – MG em 1989, mas vive na capital mineira desde 2014. Bacharel em Direito, pós-graduanda em Escrita e Criação, medeia, organiza e faz curadoria do Leia Mulheres Divinópolis e é a criadora e faz-tudo do clube de leitura online Cidade Solitária. Após ganhar o 2° lugar no concurso Poesia InCrível de 2021, estreou na poesia com o livro eu investigo qualquer coisa sem registro pela Crivo Editorial. Também publicou o conto Maria Eduarda não precisa de uma tábua ouija em formato e-book na Amazon e segue escrevendo suas bobagens e incômodos em seu site thaisescreve.com, newsletter e redes sociais.
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FRANGO FRITO
ouço pombos e passarinhos
gatos caçadores na janela
cachorros ansiosos com o barulho
dos calçados familiares
subindo as escadas
duas obras ou mais na vizinhança
um despertador que se esgoela
bicicletas carros ônibus
dividem espaço
com pessoas e carroças
e sacolinhas de supermercado
apinhadas de lixo
a música parece a de sempre
mas é diferente
alguém matou os galos e as galinhas
que piavam e cantavam
a alguns metros daqui
em plena capital mineira
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COMO PRODUZIR SUA PRÓPRIA CRIATURA
providencie papel machê e imaginação
faça aulas de biscuit cerâmica bordado bruxaria
e se der tempo aprenda a lidar com lã, poções e amigurumis
consulte mary shelley
pense na ovelha dolly
não cometa os mesmos erros que albieri
veja filmes de ficção científica
leia histórias de horror
e algumas de amor também
modele essa massa amorfa
até que ela faça sentido
e após terminar
proteja sua criação
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INVENTÁRIO CIDADE NOVA
cinco marcas de ração coleiras brinquedos pipicat caixas de areia casinhas de cachorro peixes realistas com catnip dentro sachês e patês para pets linhas para costura agulhas alguma lã post-its canetas lápis de cor giz de cera canetinhas vários tipos de papel pincéis kit aquarela tinta guache cola tesoura sem ponta cartolina caderno pastinhas coloridas pastas sanfonadas ecobags agenda planner papel de presente porta-retrato squeeze enfeites de biscuit plantas de plástico canecas variadas dominó baralho jogo das varetas uno pilhas serviço de xerox impressão e scanner. quantas histórias mais guarda uma lojinha de bairro?
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PEQUENA EVA
um piolho de cobra entra pela porta da sala
chega chegando
com suas mais de 400 patas
percorrendo o piso recém-limpo
hipnotizado pela chance de encontrar
um canto úmido
um inseto morto
ou uma planta para parasitar
um piolho de cobra entra pela porta da sala
e morre pisado por uma humana com nojo
outro piolho de cobra entra na casa pela garagem
guiado pelo cheiro de terra do quintal dos fundos
morre também
pelas patas de uma gata chamada Eva
que não perdoa ninguém
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ENTRE TERRITÓRIOS
nunca amei ninguém encostada nessa parede. nem beijei alguém sentada nessa escadaria. jamais troquei olhares nesse bar. nem figurinhas ou tazos nessa praça. sequer esperei um ônibus perto daqui. eu não lembro de ter vivido qualquer coisa nessa esquina e nem na outra. não sei dizer nem se já parei nessa calçada antes. tudo ou é paisagem ou é passagem dos pés, dos ônibus, dos olhos, dos dias. quase tudo que amo olhar nessa cidade não tem qualquer vínculo comigo. pelo menos não ainda. serei sempre uma forasteira aqui, enquanto me torno uma turista onde a memória está.
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OH MY GOD
o mercado financeiro é
uma partida de pingue-pongue profissional
uma ficção contada como biografia séria
de um homem branco qualquer
uma seita que promete a reabilitação
de pessoas jurídicas desesperadas
um jogo de espelhos
de um parque caindo aos pedaços
cuidado pra não ir para o lado errado
cair no conto do vigário
acreditar em compliance
e maquiagem contábil
há tantos caídos
na base da pirâmide
um mar de gente sem deus
a falência é o maior dos pecados
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DE COR
escrevi esse poema de memória
porque eu ainda estava dormindo quando ele surgiu
anotei cada palavra no reino dos sonhos
como cecilia pavón me ensinou
tomei cuidado para mantê-lo curto
o acordar é abrupto
e sempre há risco de esquecer
a poesia é sonolenta e tem bafo matinal