Três poemas de Paulo Dantas
Paulo Dantas nasceu em Santa Luzia, sertão da Paraíba, em 1984, e vive em São Bernardo do Campo, São Paulo, desde 2005. É poeta, professor e pai do João Miguel, e é também autor de a butija dos dizer (coleção Mimo, Alpharrabio, 2018) e da proposta poética do espetáculo Mundo di Versos Incarnados. Em janeiro de 2021, publicou folheto, pela Alpharrabio Edições.
primeiro de maio, ode à civilização e oficina de poesia são poemas do livro folheto, em pré-venda no site da Alpharrabio Livraria e Editora.
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primeiro de maio
você já agradeceu
por cortar o dedo picando cebola
e sentiu como arde muito mais
em contato co’a água sanitária
que usa para lavar
o banheiro
e como torna a sangrar quando esfrega
as roupas no tanque
e como torna a doer quando lava
xícaras, panelas, talheres, copos e pratos e
em seguida
começa tudo de novo?
chega uma hora em que o corte
esmorece
entrega os pontos
se dá por vencido e
exaurido
resolve cicatrizar
a dureza do trabalho
invisível
é demais para ele
as mãos insubordinadas
sorriem
como se tivessem todos os dentes na boca
nessas mãos
mora a boniteza
de tum-tum-tuns de zabumba e fraseados de pífano
nessas mãos
mora a determinação
de vulcões, terremotos e dobramentos modernos
nessas mãos
mora o enfrentamento
de frear processos produtivos e cavucar terra seca
nessas mãos
mora a mais aguerrida possibilidade
de parir-se
poesia
*
ode à civilização
liturgia
letargia
: um bafo de morte aportou no correr
do nosso tempo
a selvageria
expurgada de nossos corpos
prostrou-se ante o sobejo de fé
que tomamos por empréstimo
postos a terços tresvariamos
súplicas
socados em gratidões eternas
à santa patriarcal trindade
são quartas e quartas-feiras
evocando a tisna
profana
do fundo de nossas panelas
com quantas
com quais infâncias
balançando seus dentes de leite
sustentamos o consumo?
à sua imagem
semelhança
divagamos estas carcaças
de alheias propriedades privadas
(coisa de sangue
é andar sempre às voltas co’o desejo
de nos tornarem
alvos)
*
oficina de poesia
desamassar os flandres de uma imagem batida
ajustar sons e ritmos a golpes de almotolias
nivelar amiúde um advérbio aqui, ali, acolá
medir adjetivos simpáticos ou mal-educados
abotoar colchetes e parênteses intrometidos
colar apóstrofos, alinhar travessões conversadores
suspender reticências, consultar o catálogo de aspas
organizar vírgulas e pontos de toda qualidade
(juntar o que sobrou num saco escrito gramática
e pendurar num asterisco no canto da parede)
parafusar as molas frouxas (tóim! tóim! tóim!
tóim! tóim!) de alguma onomatopeia desfigurada
calcular graus nos agudos, transferi-los aos graves
envergar circunflexos em tornos de bancada
esmerilhar o s desconcertante e soldar (por
que não?) um c no concerto dos versos
misturar as cores das formas populares e eruditas
limar a luta de classes da sociedade das rimas
rebitar artigos igualando as questões de gênero
coordenar insubordinações nos grupos de oração
aprumar pronomes possessivos com martelo
e foi-se a tal bitola dos tempos, modos verb
ais
remexer os garranchos da vida à procura da
sujeira que enfim caiba debaixo das unhas
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(Fotografia de Luzia Maninha [detalhe])
Rozana Gastaldi Cominal
Um sorriso Desses faz a gente contemplar. Largar a roupa no tanque. Então diz que escreve poemas. Hum. Agua sanitária de escanteio. VaRal em pandemônio. Na cozinha greve de panelas. A cebola faz de conta de que não tem nada com isso. A poesia me pegou de JEITO. Beijo sabor canela.