Três poemas de Roberto Nicolato
Roberto Nicolato é escritor, jornalista e professor universitário. Mestre e doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mineiro radicado em Curitiba (PR), é autor de dois romances: A caminhada ou O homem sem passado (Editora Blanche) e Do outro lado da rua (Kotter Editorial). Acaba de lançar o livro de poesia Pequeno tratado do amor e da natureza, pela Kotter Editorial. Organizou a obra Teorias do Jornalismo, pela Editora Intersaberes. Finalista do Prêmio Off Flip de Literatura 2020, na categoria Poesia.
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Desejos
O que arde em brasa, desaquece,
Esquece, na fervura que as horas exalam.
Sê tudo, pois que tudo passa:
O abraço fortuito, o gesto inesperado,
O desejo incontido numa noite enganosa.
Não se prende o instante
A não ser no sopro fatal da ternura,
Numa oração ao vento
Do corpo móvel na brancura dos dias.
É que não existe estrada aos que se ajustam
Às metas, ao objetivo final da sorte.
É só um gozo alucinado para quem desperta.
Uma nuvem trovejante a quem se dobra.
Trejeitos! Sombra viva!
É o que és caminhante.
A lua te tem como única companhia,
Será cúmplice e não te roubará a sorte.
O sol aquece os teus pulmões.
Irrespiráveis, dilata seus olhos a sombra lancinante.
Redemoinhos lhe alcançam o corpo na orgia.
Esquece, pois que nada restará.
A não ser o suor de suas têmporas,
A vontade desacreditada dos girassóis.
Viva o tempo das andorinhas,
O cursar dos antílopes em retirada,
A fome dos lobos que sobrevivem no Saara.
O pouco que lhe é concedido…
Absorva como água na chuva.
Sobeja, delira, enlouqueça!
Há espaço no tempo que se move aflito.
Repare como as nuvens estão arredias!
Como esse coração pulsa sem que lhe dê cordas, desejos…
A vida do inseto invalida a permanência, de tão curta?
Vale para quem a executa.
Não tenha medo da dúvida,
Dos temporais, das formigas,
Do amor que a tudo devora
Pois que o instante não se fixa,
E Deus não escreve sua história na lama funda.
Com tintas escuras apenas lhe deu corpo e alma
E desejo para que cumpra a sua absurda aventura.
(Poema finalista do Prêmio Off Flip 2020 – Categoria Poesia)
*
Tiro Certeiro
Da árvore
que chovia
assovios,
de vez em
quando
caía
um pássaro
em desaviso.
O velho de
espingarda
na mão,
grosso calibre,
disparava no ar
o tiro certeiro.
Asas
partidas
cobriam
o chão.
O vermelho
me atirava
bem no fundo
dos olhos:
a sempre
mesma
tempestade
de sangue.
*
Tiê
Nunca o vi cantar porque o silêncio e a cor
invadem primeiro a visão do pássaro vermelho.
Nem me deixa revelar, ele, que na esperteza
acelera asas e se expande sob o sol, às escusas.
A mim nada resta a não ser apreendê-lo na memória.
Rastros de paixão, amor e morte, não me é dado pensar,
o momento que é dele, poderoso,
o pássaro vermelho foge da minha direção.
Se pudesse detê-lo no seu episódio de fuga,
na leveza do seu descuido.
Mas Deus deu-lhe asas e exuberância
para, assim, ofuscar-me a vista. E ele até sabe…
Se pudesse amá-lo só mais um instante,
na contemplação, quando da sua quietude…
Naufragar no vermelho e negro de suas asas.
Mas que exposto, o belo não dura…
Se pudesse tocar-lhe com os olhos, ao longe,
mas sei: não é dado às aves raras entregar-se à criatura.
E, ele, meu pássaro vermelho, risca o ar assombrado
até se perder, desavisado, entre as nuvens.