Três poemas e uma prosa poética de Stella Garcia
Stella Garcia nasceu em 1987 em Ribeirão Pires, SP. Escreve desde que aprendeu a escrever. É atriz, historiadora, mulher, poeta. Esse ano produziu um caderno de poemas visuais chamado “Ensaio para um ponto de fuga”, costurou um a um, e a previsão é que ele chegue em março ao Brasil, já que, por enquanto, ele e ela encontram-se perdidos numa ilha no meio do oceano.
***
marcela
o buda desmorona
sem alterar sua feição
feito um pássaro ferido
descansa
na palma da minha mão
olho pro lado
vejo a gola da sua camisa
branca
meio assim
dobrada
do jeito que você não gosta
olho de novo
– não vejo nada
não há o lugar da risada tímida que nem queria
fecho os olhos, imagino meu banheiro antigo
(quantos banhos ela tomou?)
na ponta de meus dedos
lavo
o aroma de todas as minhas casas
olho pro lado
vejo um anjo
com duas asas
brancas
intactas
sem significado
-essa liberdade me tira tudo
olho de novo
não vejo nada
.
*
é curioso que soe fraqueza
sermos as únicas capazes de lidar com toda a sujeira
até o fim
você não seria capaz de comer a própria cria morta todo dia dez
assistir diariamente
o apocalipse em sentido anti-horário
a espiral dos sentidos
por dentro
quando não
há o que esperar
o mar me devolve
a mim
eu dôo lágrimas
o grande ralo do mundo diz que não
de todo modo
ninguém se move
além
*
na calma mentirosa das quatro
amoras pretas sangram suas alegrias
o riso dos mortos na sala, ri
-quantos silêncios foram necessários para adoçar
os frutos?
a tv segue desligada
os cães do espaço
uivam
eu desço
coragem coragem
é invisível minha espada de atacar melancolias
escadas e portas
incômodos da memória,
deixo doer
é como se passa pela dor
os meninos, sempre medrosos
os meninos, sempre ridículos
não querem entrar aqui comigo
sem as suas armas
não olham nos meus olhos diante desse cheiro estranho de carne
que o erro traz
– quanto tempo foi necessário, para apurar esse veneno?
de algumas pessoas,
quando se tira a última palavra,
não sobra nada.
*
quando não se conhecia a gente se buscava. pequenos e grandes sinais. as palavras bombardeavam o quase sono, éramos nosso constante ponto de fuga. das sextas noturnas e pobres ao perigo dos domingos às seis da tarde. fugíamos da tristeza e do descuido da felicidade arriscada. sem programação. vamos tomar um café. vamos ao cinema esquecer tudo isso, existem dramas melhores. eu faço um bolo. levamos esse cachorro pra casa porque ele precisa de nós e nós precisamos dessa alegria. eu não parecia eu dizendo tais coisas. certezas gelatinosas. quando a gente não se conhecia as palavras brotavam sem medo dos significados, dançavam e lançavam iscas em busca do sentido. os fracassos construindo caminhos melhores que a sorte. tropeçamos todos no tempo. a gente se conhecia melhor, então. hoje é domingo,
gelateria gerais
um poema é tanto. trÊs me deixa tonto