Um conto e quatro poemas de Thata Alves
Thata Alves (ou Thayaneddy Alves), filha de Ione Alves e Custodio Souza, é uma artista multimídia, transitando entre vídeo, performance e poesia. Sempre foi autodidata. Essa escolha lhe permitiu ousadias, como a de ser a precursora do Sarau da Ponte pra Cá há 5 anos, articulando, produzindo e organizando a realização desse evento, bem como sua divulgação. Posteriormente, Thata Alves juntou seus versos e publicou de maneira independente seu primeiro livro de poesia chamado Em Reticências, 2016. Em 2017, lançou seu segundo material literário, Troca, e, em 2018, seu primeiro livro infantil, baseado nas vivências de seus filhos gêmeos, Bryan e Brenno, denominado Ibejis – Poesias do meu ventre. Toda essa trilogia é lançada pelo selo Academia Periférica de Letras. Participa, propõe espaços de discussão e realiza trabalhos em parceria com os coletivos Praçarau, Fala Guerreira, Sarau das Pretas, Slam das Minas, CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes) e Casa de Cultura Candearte.
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Resignificância
O calor dessa vez não era dos corpos que se tocavam pela primeira vez, e nem era a mesma sinfonia que o coração tocava quando no colar do abraço o coração (dele) palpitou. Agora era um outro ritmo era um outro cenário mesmo que na mesma cidade.
Dessa vez seu coração batia acelerado, mas com uma solidão do vazio de chegar no aeroporto. Os devaneios que ela trouxe nas malas com intuito devolver tudo que ele deixara em sua casa, tudo que era resquício dele ela despachou…
Ao pisar em terra firme, ela carrega uma esperança utópica de que ele a surpreenderia e aparecia , bem queria que ele ali tivesse. Nada.
Uma hora e meia tentando transformar pesadelo em sonho.
Quando sai do ar condicionado do aeroporto , o calor da orla a abraça , a fumaça do dendê hipnotiza , tudo isso faz ela retomar a estima e ressignificar a viagem.
O Uber é simpático com a moça , faz apresentar cada canto de todos os santos, tal como se fosse guia turístico. Ela viajava, não viagem esta da Bahia, mas a viagem que seus pensamentos a levava, iansã com sua brisa a acalmava.
A moça é de peixes, e estava ela defronte ao mar, Iemanjá a cuidava, seu ori são, sadio.
O moço do Uber diz ao fim da corrida, quando a moça do gps diz “Chegamos ao destino” , que estava encantado pela moça, ela o olha nos olhos, agradece o carinho e sorri sem dentes, desse sorriso que só seu outro amor sabia decifrar (riso de timidez).
Ela sabe que carrega uma magnitude, é como se andasse e jogasse glitter em seu próprio caminho, aprendeu reconhecer esses fascínio de fascinar.
Seu pai quando pequena a embalava nos braços acarinhava seus cabelos e sussurrava:
– Essa é minha Osunzinha. Minha Osunzinha.
essa memoria a atravessa no mesmo instante de a lagrima salgada como as aguas de Iemanjá percorre a pele preta, da preta.
Ela lembra do reinado que ela vem.
Da realeza que és.
O canto é que guia a moça, faz melhor do que qualquer aplicativo de localização, ela segue a canção.
“Mar amando , mar amando, vem em mim
Mar amando , mar amando, até o fim”
Era voz feminina doce, como bolinho de estudante, banana da terra…
O encontro desse canto a faz ganhar um abraço, embalado por ritmo Ijexá ela permite desatrofiar o corpo e seu corpo rescende as memorias de como dançar, isso é herança ancestral, ela ouve a intuição, ouvir a intuição sempre foi sua playlist predileta.
Faz seu cortejo “ espalhando glitter” até o pelourinho, o samba duro a faz amolecer, o riso antes sem dentes faz esbanjar em gargalhadas, ela vive por ela, sua canga a torneia, suas curvas no misto de alegria e transparência oferecida pelo tecido , leve, quase solto.
Sabia de cor a discografia o Ilê Aye, porque mesmo nascendo na cidade Cinza ela não se identifica com o lugar… Desfruta, comunga , fartura de tudo como a Bahia é , ela tinha isso no corpo, ancestralidade tinha ela.
Na exaustão de dançar compra uma agua de coco, e surpreende-se com garçom que traz pra ela a agua de coco e uma porção não pedida, ela franze as sombrancelhas, olha pro garçom e antes de poder questionar, o rapaz diz, tem um bilhete em baixo…
O bilhete dizia:
Para o sorriso mais bonito do Pelourinho…
Ela interpreta uma espécie de buquê
A porção era de camarão
E o admirador secreto de Sango…
*
100 sentido
Os meus sentidos não me obedecem
É que pra eles também não faz sentido não te ter
Minhas retinas se acostumaram com sua imagem
sente teu cheiro
Meu olfato
Sua essência selvagem
Em meus ouvidos ressoam
O timbre exato
Das vezes que disse me amar
Meu corpo implica por teu tato
Está em abstinência de ti
O paladar só sente o gosto dos seus beijos
Iguaria que nunca mais vivi
*
Tatear
Eu te quis tapete vermelho
Tapete vermelho de veludo
Que com salto agulha
Não te quis pisar
Tateei-te com pés
Reinado quis és
Nos fiz reverenciar
Meu útero , palácio de nossa príncipes
Tua força espada que ogum ostenta
Tendo você que me defenda
Contenda nenhuma me abalará
Elegbara de certo
Tem como sentinela a nos acompanhar
Outra vez , eu
Em AfricaBahia
Deva vez não tinha vc a me recepcionar
E na tua falta
O bafo da cidade me abraçou
E provou que a melhor escolha foi voltar
Nostalgias se intrometem
Em meus pensamentos
Licença que não concedi
As memórias vem como barra vento
Bagunçando tudo em mim
De todos os imprevistos eu sabia
Você sabia que eu vinha
É que a teimosia, reside em mim
*
Cair do cavalo
Mas não ter esperado um príncipe
Sempre me machuco nessa queda
Ora pelo trote
Ora pelo coice do coração
Vezes não sei quem calçou a ferradura…
Mas as marcas sempre tatuam em mim
Pra eu o cavalo é preto
Cavaleiro também
Os trajes não importam
Sim as pegada deixadas na lama
Como gravura de nossos caminhos
Trilha sonora os passarinhos
Eu você champanhe ou vinho
Sem serenata
Nem bolo de nata
É festa de terreiro
Tem som do candongueiro
E mesa farta
Tem filhos nossos , todos.
Cada erê é família nossa
A gente substituiu bossa-nova
Na vitrola som do blues
A luz de vela
Ou abajur
Cai do cavalo…
Tenho calos no coração
*
Rainha solitária
Ciência tenho de minha realeza,
Tomo posse de herança minha
Meu ventre templo onde
Ibejis procriei
Mais e o rei?
Qual o medo de estar nesse palácio?
Porque palhaços momos
Invés de realeza comigo?
Porque me abrigo, na solidão desse castelo?
Porque nosso elo, ainda é utopia
Quero rei ao meu lado
Não súdito a me fazer cortesias …