Um trecho de roteiro de Juliana Rosenthal
Juliana Rosenthal, 38 anos, é roteirista e escritora. Fez pós-graduação em Dramaturgia e Roteiro na Universidade da Califórnia (UCLA) e é mestre em Literatura pela USP. Participou, de 2007 a 2012, do grupo de roteiristas Mulheres da Redação, juntamente com Marta Góes, Gisela Marques, Rachel Ripani e Eliana Castro.
É autora das peças: Feliz Aniversário (Teatro Folha em SP em 2006); O Poder da Boca (escrita em parceria com as Mulheres da Redação); Bú, infanto-juvenil; O Inferno Sou Eu (com Marisa Orth e Paula Weinfeld, direção de José Rubens Siqueira, temporada em SP e RJ em 2010); Festim Diabólico (adaptado do original de Patrick Hamilton e baseado no filme de Alfred Hitchcock, Teatro Nair Belo em 2011) e da comédia inédita Terapia de Casal (inédita). Também colaborou e fez a redação final da peça Os 10 Mandamentos da Boa Mãe com Samara Felippo e Carolinie Figueiredo; assina a dramaturgia do show de música e humor Romance vol III:Marisa Orth e banda; e da peça musical À Flor da Pele, encomenda para Cacau Gomes, sobre as vidas das cantoras Tina Turner, Diana Ross e Whitney Houston.
Para televisão, escreveu a microssérie Amigas.com, produzida pela Dínamo Filmes e selecionada como finalista da Mostra Competitiva de Pilotos do Festival Internacional de Televisão 2009. Criou, juntamente com Gloria Kalil, o quadro “Vamos Fazer Bonito”, para o Fantástico e o programa “Moda Blog”, com Ana Luiza Castro. Escreveu as pílulas de dramaturgia “Momentos em Família”, para a novela Em Família da TV Globo e as séries: TOP, com as Mulheres da Redação para o FICTV/Mais Cultura; Habeas Corpus, vencedor do I Programa Globosat de Roteiristas e do NETLABTV 2018 na categoria Ficção; e HARD para a HBO com a Gullane Filmes. Também assina a quarta temporada de Os Homens são de Marte… É pra lá que eu vou do GNT.
Para cinema, escreveu o curta The Revenge, selecionado como finalista do Wildsound Contest/NY Film Academy; o documentário Cabide para a Demeter Films sobre a questão do aborto no Brasil; e o roteiro do longa metragem O Inferno Sou Eu, baseado em sua peça homônima, em parceria com Guilherme de Almeida Prado e vencedor do Edital de Desenvolvimento de Projetos Audiovisuais da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Também escreveu o roteiro do longa O Amor no Divã, baseado em sua peça Terapia de Casal, estrelado por Zezé Polessa, Daniel Dantas, Paulo Vilhena e Fernanda Paes Leme, com direção de Alexandre Reinecke e produção da Tortuga Studios/Vitrine Filmes, com estréia nacional em 2016 e atualmente disponível no Now, Netflix e Apple TV. Ainda em 2016, assinou o roteiro do curta de final de ano da Coca Cola 6.224 Obrigados, com Isis Valverde e direção de Fred Luz para a O2 Filmes. Em 2017, escreveu o roteiro do longa Tô Grávida!, baseado na peça teatral homônima de Regiana Antonini, com Paulo Vilhena e Fernanda Rodrigues para a Ayo Filmes. Em 2018, escreveu o roteiro dos longas Tirando o Couro, encomenda para Marisa Orth com a Cygnus Midia/co-produção com Portugal e direção de Leonel Vieira e Save the Day baseado no seu romance homônimo, para a Bossa Nova Films/Fox.
Em literatura, já foi colunista dos jornais KZUCA, GIRO SP e das Revistas Vip, Joyce Pascowitch e Antro Positivo. Tem experiência como ghostwriter e é autora do livro Deu Positivo!, um guia bem humorado sobre gravidez, pela Editora Aleph. Em 2014, teve publicadas suas peças de teatro no selo Dramaturgia Brasileira pela Editora Giostri e em 2015 lançou seu primeiro romance, Save the Day, pela Editora Buqui, sobre o universo das assessoras de casamentos.
***
Um trecho de O Amor no Divã, roteiro de Juliana Rosenthal
CENA 18 – CONSULTÓRIO DE MALKA – INT. DIA
Miguel e Roberta entram na sala.
ROBERTA Vocês se conhecem? Você e a secretária?
MIGUEL Não… Claro que não.
Ambos aguardam sem se falar, cada um com a sua razão. Roberta olha os diplomas na parede.
ROBERTA Estatisticamente, se ela tivesse feito tudo isso de curso, não ia ter tempo de atender ninguém… (aponta para um quadrinho) Olha esse: Malka Stein, PHD.
MIGUEL Pelo que ela cobra, devia ser PHE.
ROBERTA PHZ!
MIGUEL (irônico) Que engraçado.
Climão. Miguel vê uma campainha que está na mesa da terapeuta e mexe nela. Sai um som horrível.
ROBERTA (alto) Pára Miguel.
A porta do consultório se abre. Os dois param. Malka entra, triunfalmente.
MALKA (totalmente profissional) Boa tarde. Como vão?
MIGUEL Oi.
ROBERTA Oi, tudo bem?
MALKA Tudo na mais perfeita ordem. (pausa) Sentem, por favor.
Malka cumprimenta ambos com a mão e se senta na sua cadeira. Ela pega um bloco de anotações e uma caneta. Eles sentam no sofá e esperam que ela comece. Silêncio. Roberta e Miguel se olham de lado sem saber o que fazer. Tempo. Miguel muda de posição e Malka o acompanha. Roberta cruza os braços e Malka cruza também. Tempo.
ROBERTA (num fôlego só) Eu vou começar então. O negócio é o seguinte. A senhora conhece o Dr. Hamilton de Souza Castro? Ele é o papa da Estatística e me convidou pra participar de uma banca de mestrado de um aluno dele! Tudo bem que foi em cima da hora, mas a professora ficou doente, sorte a minha! Qual o problema dessa viagem ficar pra depois? Alguém vai morrer?
(MORE)
ROBERTA (CONT’D) Na vida a gente tem que ter foco, só 12% das pessoas que começam uma carreira depois de alguns anos tem um retorno maior do que o investido num menor espaço de tempo.
MALKA Como é?
MIGUEL (desfazendo da expertise da mulher) Ela inventa…
ROBERTA Ele não era assim. Quando a gente se conheceu ele queria ter uma academia, começar uma linha de shakes. Tudo bem que a porcentagem de negócios próprios que sobrevivem mais de um ano sem um planejamento específico é pequena, mas pelo menos ele tinha uma ambição. (pausa curta) Agora na maior parte do tempo eu acho ele um folgado e um egoísta.
MALKA (fazendo anotações) Sei… Tipo um marido.
MIGUEL Ela me prometeu essa viagem pra gente finalmente conseguir ficar juntos, sem nenhuma porcentagem.
(MORE)
MIGUEL (CONT’D) E não pensa que foi fácil porque a grana tá curta, cada um tem suas coisas, mas finalmente combinamos nesse feriado. Aí, do nada esse cara ligou e ela nem pensou em mim…
ROBERTA Esse cara, não, o Dr. Hamilton é um dos mais respeitados…
MIGUEL (interrompendo) Ela atropela, faz tudo errado. E me enche o tempo todo.
MALKA (fazendo anotações) Sei… Tipo uma esposa.
MIGUEL Tô cansado de fazer papel de trouxa, dra. Ela acha que não, mas eu me esforço, sou personal trainer, dou cada aula num lugar da cidade… Eu não tenho culpa se o trabalho dela é chato.
ROBERTA Chato pra você que é ignorante.
MIGUEL Eu não quero mais… Cansei.
ROBERTA Se você tá cansado, eu tô exausta! Sabia que 60% dos casamentos acabam no primeiro ano? E menos de 35% duram 4 anos. (pausa curta) Agora eu tô começando a entender por quê.
MALKA Filhos?
MIGUEL Há! Como é que a gente vai ter filhos se a gente não transa?
Roberta olha pra ele, irada.
MIGUEL (CONT’D) Verdade. No começo a gente transava todo dia, em qualquer lugar, a única coisa que interessava pra ela era eu. Hoje é uma por semana e sempre aos domingos.
ROBERTA Não é assim…
MIGUEL Tem razão, nos dois últimos domingos você ficou estudando uns livros que trouxe da Biblioteca. Eu nem sabia que ainda existia Biblioteca!
ROBERTA Ta vendo o tamanho da ignorância?
MIGUEL Fora que se ela não cuida nem de mim, vai cuidar de uma criança?
ROBERTA É tudo errado… Ele tinha que admirar o meu esforço, me apoiar de verdade, sem pensar sempre nele mesmo. (pausa) Mas não existe relação assim, né?
MALKA Existe. Só que dura três meses, no máximo. Por isso as histórias infantis acabam sempre na cerimônia de casamento. Quem é que quer ver a carruagem virar a moranga do almoço de domingo? (pausa) Bom, mas se vocês estão aqui, é porque querem se dar uma chance.
O celular de Malka vibra forte.
ROBERTA O que é isso?
MALKA É meu celular, não se preocupem.
ROBERTA Pode atender.
MALKA Deve ser meu marido, ele sabe que eu estou em consulta.
ROBERTA (para Miguel) Olha que maravilha. Ele respeita as coisas dela.
MIGUEL Eu que não respeito as suas coisas?!?
ROBERTA (para MALKA) Há quanto tempo vocês tão casados?
MALKA Vamos fazer trinta anos.
MIGUEL Tá louco…
ROBERTA E vocês tem filhos?
MALKA Dois. Mas vamos voltar a vocês. Acho que com o meu método vão ser necessárias cinco sessões.
ROBERTA Tudo isso?
MALKA Você acha muito?
ROBERTA (fazendo as contas) É que a gente achou que era mais rápido… Porque é caro, né?
MIGUEL Será que em duas, três, não dá?
ROBERTA (concordando com ele) Acho que a gente consegue resolver em umas três, assim, bem feitas…
MIGUEL Consegue sim….
MALKA Eu preciso de pelo menos mais quatro sessões.
ROBERTA Então vamos fazer o seguinte: A senhora precisa de quatro, a gente de duas, então a gente paga as nossas e a senhora paga as suas!
Miguel ri e os dois se olham, cúmplices.
MALKA (sem achar graça, fechando seu bloco de anotações) Bom, agora eu vou me retirar pra deixá-los à vontade. Vocês conversem e vejam se desejam mesmo continuar.
ROBERTA Não, a gente…
MIGUEL A gente não quis ofender. Desculpa…
ROBERTA Desculpa…
MALKA Não ofenderam. E estão do mesmo lado, o que é um bom começo. (pausa curta) Eu aguardo semana que vem no mesmo horário. Com licença.
Malka sai da sala. Tempo.
MIGUEL Boa, né?
ROBERTA Muito. Agradável, calma, segura.
MIGUEL E trinta anos de casada…
ROBERTA Mas também, a mulher sabe tudo. Assim fica fácil…
MIGUEL Sorte do marido dela.
ROBERTA Vamos?
Os dois se levantam. Eles se esbarram ao sair e, ao invés de Miguel dar passagem para Roberta, ele sai na frente. Roberta sai atrás.
CENA 19 – RECEPÇÃO DO CONSULTÓRIO DE MALKA – INT. DIA
Miguel sai rápido. Fabiana se levanta e fica olhando para ele como que esperando alguma palavra. Roberta sai atrás.
CENA 20 – CASA DE MALKA E JOSÉ. SALA – INT. NOITE
Malka entra em casa e José, que estava falando no telefone, desliga rapidamente.
MALKA Alô, alô! (ela vê que ele se assusta) O que foi, José?
JOSÉ Credo, Malka, que mania essa de chegar assustando as pessoas.
MALKA Como assustando? Eu entrei falando Alô!
JOSÉ Por isso mesmo. Tudo bem?
MALKA Tudo na mais perfeita ordem. E você?
JOSÉ O que é que tem?
MALKA Tava falando com quem?
JOSÉ Com o Carlão.
MALKA Sei. E o que você fez o dia todo?
José vai falar, mas Malka continua.
MALKA (CONT’D) Pelo visto nada, que me ligou igual um desesperado. E eu não atendo o telefone durante as consultas, a não ser que seja urgente.
JOSÉ Era urgente.
MALKA (preocupada) O que aconteceu? Alguma coisa com o Benjamin? Bombardearam o kibutz? Como tá o meu bebê? Fala de uma vez!
JOSÉ Mas você não deixa! Primeiro que seu bebê já é maior de idade. Segundo que Israel é mais seguro do que aqui o Morumbi. Eu liguei pra te perguntar… Era alguma coisa muito importante…
MALKA O quê?
JOSÉ Não me lembro. (pausa curta) Não me lembro mesmo.
MALKA Você sabe, né?
JOSÉ O quê?
MALKA Que não era isso. Posso falar uma coisa? É normal, José, você se sentir perdido.
(MORE)
MALKA (CONT’D) Não é fácil pra um homem que já foi tão poderoso, de repente não se sentir mais útil.
JOSÉ Mas quem é que tá…
MALKA (interrompendo) Uma certa depressão pós aposentadoria é esperada, todo homem um dia vai passar por isso.
JOSÉ Que negócio é esse, fui eu que decidi vender a empresa.
MALKA A negação também faz parte do processo, meu bem.
JOSÉ Eu tô ótimo
MALKA Não tá não. Mas confia em mim, é só uma fase. Pode se abrir comigo.
JOSÉ Malka, faz um favor: Não enche meu saco.
MALKA Posso falar?
JOSÉ De que adianta eu dizer que não se você fala do mesmo jeito?
Malka vai até o armário e tira de lá dois esqueletos, um feminino e um masculino.
MALKA Eu acho que tá na hora de você conversar com a Tifanny.
JOSÉ Pára com isso. Você ainda tem essas bobagens?
MALKA Bobagens? Quem foi que te ajudou quando o Rey decidiu fazer faculdade de dança? Hein? A Tifanny fez o papai descobrir que tava sendo machista, preconceituoso, e que não é porque nosso filhinho foi seguir seu sonho e mora em São Francisco com um africano chamado Nababo que ele é necessariamente homossexual.
JOSÉ (com ironia) Não, claro que não…
MALKA Eu, por exemplo, conversei bastante com ela quando os meninos decidiram sair de casa, e hoje estou totalmente serena, tranquila.
JOSÉ Muito…
MALKA Fala com a Tifanny, José, conta pra ela o que você tá sentindo, de verdade.
JOSÉ (virando-se para o esqueleto) Tifanny, de verdade, a única coisa que eu to sentindo agora é prisão de ventre.
Malka larga os esqueletos.
MALKA (enojada) Posso falar?
José a olha.
MALKA (CONT’D) Com quem você almoçou? Só porque eu não vim almoçar em casa, você deve ter se entupido de porcaria.
JOSÉ Mas você nunca vai saber, porque você não veio almoçar em casa.
(MORE)
JOSÉ (CONT’D) Pára com isso, vai. Como foi no consultório, tudo bem?
MALKA Tudo na mais perfeita ordem. Tô atendendo um casal novo, bem jovem. A menina, Roberta, é meio chata. Sabe quando a pessoa não deixa o outro falar?
José faz cara de quem sabe muito bem.
MALKA (CONT’D) Já o rapaz é bem bonitão. Miguel.
JOSÉ Bonitão sou eu.
MALKA Não, você é lindão. Eles tão casados só há três anos, acredita? Os conflitos tão maiores cada vez mais cedo.
JOSÉ O que eles não sabem é que só piora.
MALKA Coitadinho do Josezinho…
JOSÉ (pegando o esqueleto dele) Josezinho não, Pedrão!
MALKA Ah, agora sim.
JOSÉ E qual o problema desse cara?
MALKA Como assim?
JOSÉ (debochando) Ué, hoje em dia, alguém que quer ficar com a mesma mulher a vida toda tem que ter algum problema… Só pode ser uma fixação. É coisa de tarado, de doente.
MALKA Não é você que diz que casamento é como a democracia?
JOSÉ O pior regime de governo, com exceção de todos os outros.
MALKA Então! Enquanto não inventarem nada melhor…
JOSÉ E qual o problema desse cara?
MALKA Como assim?
JOSÉ (debochando) Ué, hoje em dia, alguém que quer ficar com a mesma mulher a vida toda tem que ter algum problema… Só pode ser uma fixação. É coisa de tarado, de doente.
MALKA Não é você que diz que casamento é como a democracia?
JOSÉ O pior regime de governo, com exceção de todos os outros.
MALKA Então! Enquanto não inventarem nada melhor…
JOSÉ Mas é isso mesmo! (apontando pros esqueletos) Olha o Pedrão e a Tiffany, por exemplo, eles tão há anos juntos nesse armário, olha só o que aconteceu. Tão puro osso!
Pausa.
MALKA Nosso aniversário tá chegando.
JOSÉ O meu ou o seu?
MALKA O nosso, José! Bodas de Pérola!
Ele a olha sem entender.
MALKA (CONT’D) Trinta anos de casados!
JOSÉ Já? (Ele pega o esqueleto dela nas mãos) Tá ficando velha, hein?
MALKA (não achando graça) E agora eu quero viajar! Vamos?
JOSÉ Pára com isso. Pegar aeroporto cheio, vôo atrasado, sabe quanto tá a passagem de primeira classe
(MORE)
JOSÉ (CONT’D) Ou você vai querer arriscar ter uma trombose nas pernas de ficar toda espremida? Faz como meu pai dizia: finge que já foi e já voltou. Vamos jantar no restaurante do Hotel Bozano.
MALKA De novo? A gente foi lá nos últimos 200 anos. Não é isso que a gente vai fazer? 200 anos de casados?
JOSÉ E há 200 anos, esse restaurante é o melhor.
MALKA Não importa, eu quero fazer algum programa diferente, alguma coisa que marque essa data, vamos mudar, vai, tô te pedindo.
JOSÉ A poltrona! Lembrei o que eu liguei pra te perguntar.
MALKA O quê?
JOSÉ Você mudou essa poltrona de lugar? Quando?
MALKA Há dois anos, José. (pausa curta) Essa era a urgência?
JOSÉ Eu não gosto dela aqui. Coloca em outro lugar. (pausa curta) As almofadas também são muito moles, vê isso depois? (pausa curta) E essa iluminação da sala é completamente fraca pra ler, precisa comprar outra lâmpada. (pausa) Malkinha, me serve um chá?
Pausa.
MALKA Sabe o que eu acho? Assim não vai dar certo, você tem que ter algum hobby. Já sei: Por que você não joga golfe? Parece que tem um clube ótimo pra lá de São Roque…
JOSÉ Eu não! Eu quero paz. Quero é ficar aqui, sentado nessa poltrona, mas em outro lugar. E com almofadas boas, não essas.
(MORE)
JOSÉ (CONT’D) Aliás, você devia ficar aqui comigo. Já tá na hora de parar de se meter na vida dos outros.
MALKA Olha, eu fico lisonjeada com a sua consideração pelo meu trabalho.
JOSÉ Claro que eu considero. Durante todo esse tempo você se ocupou, se divertiu, (apontando os esqueletos) inventou essas coisinhas.
MALKA o fuzila com o olhar.
JOSÉ (CONT’D) Mas você não precisa mais disso.
MALKA Ah não?
JOSÉ Não. Eu agora tô aqui, e dinheiro nunca foi problema que eu sempre arquei com tudo, mesmo.
MALKA Ah é? E como é que eu reformei nossa cozinha?
JOSÉ Reformou porque é insistente, eu falei que não precisava.
MALKA Claro que precisava, tava tudo caindo aos pedaços.
JOSÉ Você sabe que eu não gasto meu dinheiro com bobagem.
MALKA Agora é seu? Não era nosso? E o sofá?
JOSÉ Trocou também, né? Eu sabia que tinha alguma coisa estranha, não era só a poltrona. Esse sofá não era assim…
MALKA Faz mais de um ano!
JOSÉ Mas agora não tem mais móvel pra mudar, eu decidi me aposentar e preciso que você cuide de mim.
MALKA E quem cuida de mim?
JOSÉ Eu, meu bem, eu…
José estende a mão e Malka vai até ele. Ela ameaça um enternecimento.
JOSÉ (CONT’D) E o meu chá?
Malka suspira e sai para buscar um chá para o marido.