Uma microantologia de Lorenzo Falcão
Lorenzo (de Jesus Miranda) Falcão nasceu em Niterói (RJ), mas está radicado em Cuiabá (MT) há aproximadamente 50 anos. De forma autodidata adentrou-se nas letras, através do jornalismo cultural e da literatura, acumulando também experiências com teatro, cinema e música. Já atuou como jornalista nos principais veículos de comunicação de Cuiabá e, desde 2010, é o responsável pelo site com viés cultural tyrannus melancholicus. É membro da Academia Matogrossense de Letras desde 2018. Escreve poesias, crônicas e contos. Seus escritos estão presentes em vários livros coletivos e também já lançou cinco publicações individuais: Motel Sorriso (contos – edição do autor – 2002); dIFERENTE (revista de poemas – edição do autor – 2005); mundo cerrado (poesia – Entrelinhas Editora – 2011); Duplex – concurso interno de contos (contos – Carlini e Caniato Editorial – 2018), em parceria com sua saudosa esposa Fátima Sonoda; e “distribuidora falcão – versos no atacado e varejo” (poesia – 2019), através do Selo Arcada, criado em conjunto com os escritores Danilo Fochesatto, Júlio Custódio e Rodrigo Meloni. Contatos com o autor através do email lorenzzojesus@gmail.com
***
ana hickmann*
hoje eu fiquei frente a frente
com ana hickmann,
a modelo brasileira
com jeito de estrela hollywoodiana.
fiquei sem graça
sem tapete vermelho
e sem jeito de dizer a ela
o quanto é bonita.
jornalista tímido
é a pior praga do mundo.
filho da puta
que incompleta a pauta.
soçobrou-me
a veia jornalística
e sobrou-me
a poesia.
então faço estes versos
porque preciso de um poema comprido
esbelto
elegante
um poema que me faça
lembrar sempre dela,
ana hickmann.
ana não anã
pelo contrário
ana gigante e linda
com par de pernas
que a deixam celestial
como o azul de seu olhar de gata.
ana estética
ana modigliani
ana do meu tamanho
do tamanho da taquara
de ‘panhar’ mamão
*do livro mundo cerrado (entrelinhas – 2011)
*
carnaval*
um bom poema
deve atravessar cabeças
como o desfile de uma campeã
(escola de samba)
o poema precisa ser entendido
também como cultura popular.
precisa levantar e empolgar
o folião leitor.
poesia e carnaval
são coisas emparentadas,
cúmplices da emoção humana
a ornar o barroco de nossas almas.
terminar um poema
numa quarta-feira de cinzas
é plástico e triste
quase como desorelhar van gogh.
*do livro mundo cerrado (entrelinhas – 2012), vencedor do prêmio adeptus
*
função poesia*
escrever com o próprio sangue
é poesia em carne e osso.
coisa que lubrifica a alma
e envia sinais de fumaça
para um não lugar
inquantificado
ainda
pela condição humana.
o poeta é o inventor
sublimesquisito
da arte da comunicação.
mercador de sonhos,
faz fezes e contrabando de palavras:
um ser
ou não ser
anarcotraficante.
*do livro mundo cerrado (entrelinhas – 2011)
*
luíza*
luíza disse que gostou
dos meus poemas.
vida longa à luíza
e que os versos lhe sejam cotidianos.
e que os anos
que vão amadurecê-la
lhe tragam muitos ensinamentos.
entre eles,
a complexa arte de compartilhar
o verbo, a imagem e a emoção
através dos versos.
e tem mais:
do fundo do coração
torço pra que quando a idade
madura
mais dura
pegar luíza de jeito
essa conversa de poesia
já tenha banido de vez o rótulo ‘maldito’.
bendito seja, portanto, o futuro.
o futuro de luíza
e de toda a poesia do mundo.
*do livro mundo cerrado (entrelinhas – 2011), vencedor do prêmio adeptus e dedicado a luíza guimarães nishizaki
*
distribuidora falcão*
parece que te conheço
a trocentos anos
e mesmo quando não te falo
ouço ou vejo
você continua comigo.
então, resolvi expandir
meus negócios
para além das letras
e cravar meu nome
em novos ramos e fachadas.
parece que te conheço
e parece que está dando certo.
pelas ruas da cidade
você vê o meu nome
ave de rapina.
mas, não se esqueça
que sou só um passarinho.
um bípede emplumado
sozinho
um tanto melancólico.
*do livro distribuidora falcão – poemas no atacado e varejo (arcada – 2019)
*
pop arte*
rapadurinha de leite,
quadrada,
marrom clarinho ou escuro
embrulhada em papel sedoso.
sumiu da minha vida
assim como esses amores
mal resolvidos
que deixam a gente pra trás,
enquanto os anos despencam
em nosso lombo.
rapadurinha de leite,
volta, por favor.
já te fiz este poema
e prometo tornar-te arte visual.
rapadurinha de leite,
objeto kitsch
na minha imaginação…
eu te amo!
*do livro distribuidora falcão – versos no atacado e varejo (arcada – 2019)
*
um haikai quente
muito fogo na roupa
e porra louca
*do livro distribuidora falcão – versos no atacado e varejo (arcada – 2019)
*
benzinho*
ainda não sei bem
o que é este novo livro
e nada espero que sobre ele
digam algo os leitores.
irresponsável é um rótulo
que talvez me caiba
como autor destas coisas
aqui publicadas.
a salvação dest’alma perdida
que assina o livro
é ou só pode estar
na cumplicidade de quem lê.
quando você lê tudo isso
que o lorenzo escreveu
é porque acabou de colocar
o seu pezinho no laço.
e agora, benzinho?!
você quer um laço borboleta,
ou pode ser nó cego mesmo?
*do livro distribuidora falcão – versos no atacado e varejo (arcada – 2019)
*
irmã*
quando a sua irmã
faz aniversário
é porque o seu sangue
corre com mais
intensidade fraterna.
não é religião
nem coisa d’outro mundo
é só o tempo que passa
e o amor que segue
sempre em frente.
chegou a hora de cantar
aquela musiquinha:
estrelas salpicadas nas canções,
todas elas sonhos,
que você contou pra mim!
*para inédito dedicado à mônica miranda falcão
*
livro novo*
entre as maiores dificuldades
quando se trata
da combinar palavras
está o fechamento de um livro.
para o poeta
é aquela merda
do tamanho do mundo,
o seu mundo particular.
já ao editor
cabe a melindrosa dor
de esparramar o verso
e iludir o autor:
sim, você agora
com este novo livro
vai ganhar muito dinheiro
um dia desses, qualquer hora.
*poema inédito
*
faz favor*
pode ser que a pandemia
me trague impiedosamente.
um sujeito ateu
como eu, talvez,
não mereça mesmo
continuar vivo.
se assim for,
por favor,
que este maldito poema
faça parte
do meu próximo livro.
e o resto que se foda.
cabra macho
é o caralho,
viadinho também.
o que importa mesmo
é o que disse e escrevi
até aqui
*poema inédito
*
nunca termina*
eu queria escrever
um daqueles romances
gigantescos
que o leitor nunca termina.
talvez chateado
com tanta complexidade
e com a história
que nunca termina.
quando a gente começa
a ler qualquer coisa
é porque quer chegar ao fim.
então, segue este pequeno poema.
mas, no entretanto,
prossegue minha vontade
de te chatear e saiba:
ainda vou escrever um romance
*poema inédito