1500 anos de golpismo – Um poema de Nina Maria
Nina Maria (@poeticamenteeu_) , natural de Santo Estêvão/Bahia, escritora, poeta, editora, curadora e produtora cultural. Graduanda em Letras com Francês – UEFS. Autora de quatro livros. Participa de antologias nacionais e internacionais e possui poemas traduzidos para o espanhol e publicados em outros países. Sua poesia e atuação literária existe e resiste de maneira à flor da pele.
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1500 anos de golpismo
Prostro-me diante de um projeto de país
[invadido]
Ainda ouço o lançar
Das flechas
Contra as embarcações portuguesas.
Outrora, tenho pesadelos
Com a minha trisavó sendo arrastada
D’África
[capturada]
Embarcando ao desconhecido
[horror.]
Pindorama continua a sangrar
Existiu um plano
Genocida
Colonizador.
Uma miscigenação forçada.
Ainda vejo
Indígenas e escravizados
Que não se curvaram.
País que se construiu
Do açoite.
O século XVI ainda não acabou
Mulheres negras constroem
Diariamente este país.
Da escravidão à precarização
Uma insana tentativa constante
De embranquecer este povo,
Estas terras manchadas de sangue.
Do grito do Ipiranga
Um império que ruiu.
O marechal proclamou
Isto que chamamos de república.
Um imperador exilado
Militares e latifundiários no poder;
Eis que a república se cria
No seio de revoltas e guerras
Rumo à industrialização.
Surge um Estado Novo
A Era Vargas e suas constituintes
Assolada pelo Comunismo.
A democracia tão nova
Foi silenciada.
A segunda guerra mundial foi pano de fundo
Para o primeiro horror brasileiro
Não nos esqueçamos jamais de Olga Bernário.
O Congresso que volta
Entre alternância de poder
Num país que se moderniza
Mais tentativas de golpes
E Vargas se suicida.
50 anos em 5
A exclusão social entre o campo e a cidade
Só aumentou.
Goulart tenta mudanças
Mais um golpe de Estado
1964, o ano que não acabou.
Torturas e assassinatos
Desaparecimentos, omissões do Estado
Militarizado
O AI-5 liberado
[ainda hoje há desaparecidos]
Silêncio.
A redemocratização
Ensina os primeiros passos
A Nova República
Enquanto a constituição de 88
Garante um país livre.
Collor eleito democraticamente
Corrupções e renúncias
FHC garantiu estabilidade
A sombra da privatização
E o enxugamento do Estado
Bem vindo ao neoliberalismo brasileiro.
Um operário revolucionário
Não se curvou
Assumiu a presidência
E distribuiu renda
Algo nunca visto nesse país
Políticas públicas para o povo pobre
Da economia a educação
[às sombras da corrupção.]
A primeira mulher chega à presidência
A república nunca foi tão feminina
O patriarcado não dorme
Vestido pelo machismo
Eis que acontece mais um golpe.
E uma palavra (des)conhecida
Impeachment
Onde você estava em 31 de agosto de 2016?
É preciso Temer
Foi tudo orquestrado
Para o inominável chegar
Ao poder.
Quatro anos de horror e escândalos
1964 nunca esteve tão vivo
Olhem nossos ministros.
Presidente genocida
Incapaz de gerir uma pandemia
Um país marcado pela morte
697 mil brasileiros mortos
Pela covid-19.
Do garimpo a privatização
Escândalos e mais escândalos de corrupção
O fascismo tomou conta
Brasileiros nos quarteis
Pedindo intervenção.
Mais uma parte da nação
Nunca se curvou
Trabalhadores, mulheres, negros e indígenas
Guiados por seus ancestrais
Constroem diariamente este país
Desde 2018 ninguém nunca soltou a mão de ninguém
Pois a alegria capturada
Em 2018 por 580 dias
Ousou mais uma vez
Acreditar
E tomou posse
Democraticamente
Mesmo após mais uma
Falha
Tentativa de golpe.
Não nos esqueçamos jamais
Do oito de janeiro de 2023
Orquestrado durante quatro anos
De desgoverno.
Eles tentaram
A democracia resistiu
E seguirá inabalada.
Exonerações
Face à brutalidade
Trazem à tona os horrores
[do passado]
E um presente desolador
Vejamos o genocídio Yanomami
Pindorama sangra
Silenciosamente
Diante da omissão do antigo Estado
Contaminado
Por garimpeiros
Disseminando a fome e doenças
[tratáveis]
Ignoradas 21 vezes.
O que há de nos reservar o futuro
Quando o passado anuncia
Como um deja-vu
Retornar ao presente?
Não retrocederemos
Seguiremos buscando fôlego
Ousando ter coragem
[e amor]
Para lutar e garantir dignidade
A todos.