2 dias após a morte – Por João Paulo Cerqueira
“Os textos a seguir fazem parte de uma fase recente de minha vida, o que não quer dizer que eles falem necessariamente sobre mim, ao menos não só, eles foram/são uma tentativa de expressar meus medos, ou medos de pessoas próximas a partir da minha percepção. A quem se propuser se perder nessas letras tortas desejo medos infantis e problemas inventados, por enquanto, tudo é muito sério para isso. O Taz de 2018 reflete a questão do identitarismo, que cá entre nois, acho maluquice. O segundo que chamei de “Sem título” são reflexos de dores novas e antigas afetadas por esse ritmo insuportável das redes, O terceiro chamei de “Atleta de quarentena”, o que fiz aqui foi tentar tratar da demanda de produtividade mesmo num momento tão desesperador, termino com um apelo a besteira e ao sonho, pedindo “palavras sem sentidos e sentidos sem palavras” espero que vocês sintam… Com vocês “dois dias depois do fim do mundo”
O Taz
Tava procurando um lugar cômodo pra falar de mim, e decidi falar de dentro, de deixar o momento de dor, quem dera a dor, dor não fosse, quem dera a dor não me desce, isso mesmo, não me desce.
Pensei em começar esse texto falando de Babu, quem entende como o racismo funciona, imagina porquê… essa ruptura entre o ser e si é dolorosa e é mais fácil expressar a violência sentida pelo outro do que a que se expressa em nós mesmos. Eu tenho algum nível de restrição em falar de gordofobia e, sinceramente, não é algo pelo qual tenho grandes interesses. Pois é… mais um gordo alienado que não reconhece as opressões.
Sobre uma outra coisa que não gosto, é de tratar esse espaço virtual como se virtual não fosse. agora é a hora que quem trata o espaço virtual como um “ambiente de socialização” me xingar. Portanto não compreendam isso daqui como um diário que eu escrevo para alguém, vejam vcs… espero que alguém leia… Não me lembro quando, mas vi uma parada que Jôjô Todinho falou, ela dizia que a Jôjô é diferente pq as narrativas de “amo preta”, “respeito mulher”, “amo gordas” têm dificuldade de se manter quando se é mulher, gorda, preta, pobre e de periferia. (A essa altura as/os MELHORES LEITORES DE DJAMILA PENSARÃO “UM HOMEM FALANDO DE MULHER”) eu rio, depois explico que não, eu não vou falar de mulher, embora não por não ser meu “lugar de fala”. Por último, não pretendo inventar a roda, então se só aparecem coisas óbvias, peço desculpa pelo tempo gasto com essa desgraça. Mas veja pelo lado bom… é melhor ler do que pegar corona. A quem discordar, tem um espaço aí embaixo que chama “comentário”. Só assim, depois de quatro parágrafos me justificando eu consigo escrever alguma coisa sem apagar na altura do segundo. Dessa vez acho que consigo (só mais uma justificativa, o texto NÃO TEM NADA QUE VER COM O FATO DE MEU ANIVERSÁRIO TER SIDO ONTEM na vdd ele é relativamente velho só nunca tive coragem de completar). Tentando dialogar com Jôjô, é massa falar “pretos no topo”, “precisamos romper com os muros da universidade”, “os meninos negros de quebrada morrem”, “temos que desburocratizar e democratizar tudo”, “precisamos educar os homens negros”, “os homens negros são aliados” e “precisamos acabar com todos os tipos de opressão”, coisas que no geral não querem dizer nada, mas que compõem um dialeto que universitárias e universitários conhecem bem, sigamos os médicos cirurgiões, ponto a ponto.
Normalmente a narrativa de pretos no topo não funciona, e quando funciona se associa a uma leitura liberal e não corresponde a “pretos” enquanto categorias sócio-históricas. E é marcado por um desprendimento suficientemente esquizofrênico que é capaz dos pretos estarem no topo brigando, um para derrubar o outro. “Precisamos romper os muros da universidade” aqui é isso mesmo, fetichismo, o nome. De alguma forma todas as opressões ocorrem fora da universidade e estes seres que habitam esse espaço transcendem a existência humana. E a vida de quem não tá na universidade é falar “porran… que dia é que esses muros serão rompidos?” “Os meninos negros de quebrada morrem” aqui o nome é ressentimento, quase como se falasse “pera aé vei, vcs precisam vir pra cá pq assim a gente pode impossibilitar q vcs falem e quando vcs reclamar, nois faz cara de paizão e fala que num tá entendendo; ou fala que vcs estão sendo machistas e coisa e tal; e por fim faremos uma lista com nomes de vcs, com a legenda machos escrotos” pq por obvio né mores… os machos escrotos da universidade são todos negros. Lombroso explica.
“Temos que desburocratizar e democratizar tudo” aqui é conversa de mal caráter, gente que entende que burocracia é mais forma do que conteúdo. A esses espíritos absolutos eu receito vodka, muito embora, eu nunca tenha tomado. Essa parte é seríssima: eu nunca tomei vodka.
Depois dessa volta do cabrunco eu cheguei no ponto que queria, uma oportunidade pra falar sobre mim em primeira pessoa. Antes da universidade eu me achava muitíssimo feio, algo entre Leandro Karnal e Donald Trump, entretanto me sentia muitíssimo inteligente, a universidade me mostrou que nem bonito nem inteligente. Somando isso com minha língua presa passei a me identificar com o Taz, um personagem que ninguém lembra de uma fala e que de alguma forma, continua presente; que em sua volta tem uma aura que lembra agonia e pouca importância, que as oposições não são necessariamente a fala, mas à sua própria existência e que a falta de oposição parece menos uma concordância e mais um receio frente a uma violência iminente.
Ainda assim, eu não pareço um sujeito necessariamente violento dos altos dos meus 1,65 metros, na verdade, eu sou um negro de um tipo ordinário, pareço com a maioria dos avôs que falam errado e mastigam fumo de corda. Do racismo tendo me sobrado a ausência de beleza e de intelectualidade. E, o que eu acho sobre tudo isso? Besteira, só identitária íssimo msm.
*
Sem título
Sou um tiro escuro num vazio fortuito,
O último pulo de um moleque sem nome.
A fome que não sinto me fode, as palavras que e fogem e um sussurro me deprime
São suores de um sorvete supreme… e minhas lágrimas que em água não converte?
paradoxais pestes! é a prova de que não vivo
(Não é prova, é teste)
Olhando pro passado pra ver se tenho futuro, sou um tio, um pulo e um escuro… só eu que não sou…
*
O atleta de quarentena
Décimo livro do ano, nono livro do século
Divindade de sonos profanos, deita e rola no presépio
Décimo livre do ano, livre ano do século
Chupa-cabra, costas e panos
Cospe sangue, futuro-pretérito
Precário perfume funesto, funesto perfume precário
Rebiceteio, é rebuceteio de bicentenário, bi sentar…
As palavras fazem poesias sozinhas, sozinhas poesias, pois é, pois bem, se bem que nem toda palavra sozinha poesia é, pois não. Parabéns.
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Palavras sem sentido
Eucaristia numa célula procariótica
Uma conversa sem prosa e a dialética sem diálogo
É o diabo lavando cuecas Zorba, se não zombam, são zonzas meninas de pele clara
Por aqui, pau-de-arara é festa na cabeça… se endireita, menino! se endireita!
na curva à direita o capote para…. Não parou!
___Cadê a besteira?
___ Ficou pra outro dia
Sobre o autor: João Paulo Cerqueira é graduando em história pela Uefs, professor n’O Taldo cursinho preparatório e reforço escolar, Pesquisador das Botânica Colonial na Bahia Atlântica e Pesquisador do desenvolvimento colonial em Saint-Domingue.
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Sobre a coluna:
A coluna “Sob o sol das escrevivências” – alicerçada na genialidade desse conceito, cunhado por Conceição Evaristo – busca contribuir com a democratização ao acesso e a publicação de autores que são invisibilizados pela elitização da literatura, questionando sobre “O que é ser poeta e escritor?” e “Quem pode ser poeta e escritor?”. Deste modo, em nossa coluna serão publicadas pessoas que com suas escrevivências entregam ao mundo seus textos e poesias potentes. Até porque a sociedade capitalista que vivemos preza e valoriza o ter. O ter financeiro, o ter do status, o ter dos títulos. Já nós, enaltecemos o “escrever (que não se restringe apenas a linguagem escrita), o “viver” e o “se ver”. Por isso, aqui serão publicados escritores e poetas da Bahia que SÃO: são potentes, são arte, são literatura, são poesia e sobretudo são as suas escrevivências, existindo e resistindo no mundo e ao elitismo literário.
Sobre o colunista:
Rafael Bessa é um jovem negro, santo-estevense que iniciou sua trajetória no mundo em 1997. Pesquisador e Futuro professor de Geografia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Rafael, no final de sua adolescência, encontrou na poesia uma forma de existir e experienciar o mundo. Mas foi nos anos iniciais da sua vida universitária que sua relação com a poesia se intensificou. Em 2018, com amigos, fundou o grupo “Válvula poética”, o qual promoveu algumas intervenções artísticas e o incentivo à escrita como válvula do mundo e para o mundo. Em 2021 e 2022, teve algumas poesias publicadas na revista Ruído Manifesto. Participou da Festa Literária de Santo Estêvão – FLISE 2ª edição (2021) como um dos escritores presente na antologia “Cartografias Poéticas: A joia do Paraguaçu em cena”, e foi o responsável por desenvolver a cartografia poética digital e interativa. É um dos fundadores e organizadores do movimento cultural “Sarau na Praça”. Atualmente tem a poesia, também, como meio de resistência, denúncia e disseminação da geografia com uma escrita geopoética.