7 poemas de Marina Vergueiro
Marina Vergueiro é poeta, jornalista e ativista dos direitos da saúde afetiva e sexual das mulheres e antigordofobia. Com poesias publicadas em diversas Antologias dos saraus de São Paulo, é autora de “Exposta” – seu primeiro livro autoral que aborda questões que envolvem a saúde e a sexualidade. Vive com HIV/Aids desde 2012.
***
DNA
Aquela topada que forma
A poça de sangue
Negativo pra hepatite B
Positivo pra HIV
Vacinado de gripe
Pneumonia, tétano
Sarampo, tríplice
Febre amarela, HPV
Rubéola, caxumba
É vermelho
E corre nas veias
Tá no cérebro, no estômago
No coração, na saliva
Em qualquer secreção
Na menstruação
No meu gozo
Catarro
Beijo
Está no meu itinerário
E
Em
Todo
E
Qualquer
Lado.
*
Dela
Desde que você vestiu a minha blusa
Meu olfato de longe te acusa
A tua voz me acaricia
E o teu cheiro me alicia.
Desde que você vestiu minha blusa
Suplico em segredo: me usa, me usa!
Fujo e tento disfarçar
A admiração que escorre do meu olhar.
Mas minha imaginação lambuza
Te despe devagar
E submerge no seu mar.
Desde que você vestiu minha blusa
Minha noia me acusa
A soma dos quadrados dos catetos
É o quadrado da hipotenusa
Meus pré-conceitos obsoletos
Minhas narinas revirando a blusa
Desacorrentando os pensamentos
Caçando o teu cheiro
Lambendo o teu beijo
Sorvendo teu gosto
Te acariciando o rosto.
Num dia de agosto
Sou só uma menina confusa
Com uma fantasia que abusa
Desde que vestiu minha blusa.
*
Hoje eu te encontrei inesperadamente.
De novo.
Talvez tenha sido porque o mundo é um ovo
ou porque, de repente,
faça sol ou faça lua,
todos os meus caminhos
passam pela sua rua.
Eu andava depressa,
olhando para o chão,
pensando na estratégia perfeita para te esquecer.
Levantei a cabeça e…
Lá estava você!
Ou será que não?
A miopia sempre me embaça a visão.
Sim! É você!
Quem mais poderia ser?
Tua silhueta, teus traços, teu olhar…
O sorriso que adorna o seu maxilar
e que você oferece a conta-gotas
aos poucos afortunados que resbalam no seu coração.
Gosto de pensar que cheguei perto…
Mas Não!
Não fui capaz de penetrar a floresta amazônica da sua razão.
Não foi por falta de querer.
Não foi por falta de tentar.
Mas não sou pário para uma ariana tão fria e desapegada.
Sou carne dura, porém fraca,
com sentimentos contraditórios sobre contos de fada,
Movida a conchinha olho no olho.
E toda vez que você me acordava com café e bolo,
olha só o que eu imaginava…
Que talvez eu não fosse só mais um rolo
e que te tocasse profundamente
a nossa história, o nosso lance…
Eu chamo de romance!
Porque me apaixonei…
É, isso mesmo.
Eu fiz exatamente a única coisa que você me avisou para não fazer.
Pois não sou dessas que troca fluídos à mesmo.
Não mesmo!
Meu carinho tem alvo, propósito e direção.
Sou capricórnio com ascendente em peixes,
eu não brinco com assuntos do coração.
*
Maria,
vc não merece ser estuprada!
por ninguém, nenhum motivo, nunca nem nada,
simplesmente porque não
por nenhuma razão
nem fisicamente
nem psicologicamente
quando te penetram a força na mente
quando te mentem
te subjugam, te podam
te drenam na ponta do dedo
e você submersa no medo
não merece ser estuprada
nem pelo estuprador do parque
nem pelo namorado
nem pelo estudante de medicina
homofóbico e mimado
nem pelo policial fardado
ou pelo empresário corrupto,
fervoroso praticante de estupro
Maria não merece ser estuprada
pelo Estado
Muito menos pela boca de um deputado
ela não merece ser estuprada
porque é chef de cozinha,
evangélica, faxineira ou advogada
porque gosta de dar a bundinha
ou porque é bonita, feminista, depilada.
lésbica ou preta,
porque tem pau ou buceta
é transgênero, GAY ou ninfeta.
Maria não merece ser estuprada
porque Maria somos todas nós
E nenhuma de nós merece ser estuprada
por ninguém, nenhum motivo, nunca nem nada,
simplesmente porque não!
*
Amor Natimorto
Amor natimorto
que eu carrego incrustado em mim…
Tão simples seria fazer um aborto
e expelir este parasita, enfim.
Amor que era lindo, alegre e leve
durante o período de gestação,
transformou-se num meticuloso verme
que se alimenta dos meus sorrisos
desde que fez um banquete da rejeição.
Amor declarado morto,
como pode ser tão vivo
dentro dos limites do meu corpo?
E ir além…
Dominar meus pensamentos
e se intrometer nos meus sonhos…
Amor morto-vivo, vivo-morto
que consome e some com o meu sorrir.
Será triste e feliz
o dia que eu te arrancar do meu corpo,
o dia que eu te parir.
*
Maintenent
Poucos anos passaram…
Passaram como passa o instante imediato
de antes e depois do útero,
durante o primeiro suspiro desesperado
Passaram… E se foram…
E tudo continuou,
Como tudo sempre continua,
no cerne de mentes atormentadas
Foram poucos os anos,
voláteis como os efeitos de uma droga
Mas poucas não foram as semanas…
Em maior quantidade se impuseram
os dias e a insistência das horas
Os minutos pesaram cheios de segundos…
Infinitos segundos chegaram
e partiram como corpos
que deixam de funcionar
e se tornam inúteis, inertes,
até desaparecer com a força
dos novos segundos que se acumulam
no passado e pesam no presente
E novos segundos com seus
peculiares significados
vão se somando aos já passados,
sem que tenham a leveza
e a efemeridade que possuem,
de fato, simples segundos.
Porque em certas vidas incertas,
o tempo é pesado em quilos
e pesam como toneladas
sobre ombros frágeis e vulneráveis,
cheios de culpas,
vazias de significados…
Segundos que esperam
do segundo seguinte
o clímax, o insight,
que acontece somente
de um segundo para o outro
Segundos que esperam
são segundos que passam…
Cheios de expectativas,
vazias de significados…
*
Adesão
Ranitidina, fluoxetina
Omeprazol, tilenol, gelol
Vitamina C e D
Rayataz, tenofovir
Prozac, ritanovir
AAS
Bactrim
Meticorten, amato, topiramato
Dermodex, valtrex, tylex, cystex
Floratil, rivotril, tylenol
Esomeprazol
Bepantol, floconazol
Cataflam, citalopram, lexotan
Neosaldina, metformina
Feldene, cicatrene
Predinisona, simeticona
Dipirona, domperidona, bupropiona
Zetron, omcilon, naldecon, daflon
Motilium, centrum, pyridium
Cloridrato de sertralina
Lamivudina
Dolutegravir
O que mais
Há de vir?