8ª Mostra CineCaos: “Lobo” (2022) – Por Julia Barbara
Lobo. Direção: Giovani Beloto. País de Origem: Brasil, 2022.
Crescer é um processo estarrecedor e comumente solitário. Crescer, sendo o único homem em uma família com sete filhas mulheres, é uma experiência mais isolada ainda. Elas vivenciam situações similares, agem em conjunto, pensam em uníssono. Agora considere crescer sendo o único filho homem em uma família de sete filhas mulheres, residente de uma zona rural. É, no mínimo, uma vida ímpar. Ainda que em meio a familiares, o sentimento de solitude rodeia, quando não se há iguais com quem se partilhar. E essa é a premissa de Lobo, curta de Giovani Beloto, com um adendo peculiar: em meio às sete mulheres, o filho homem é um lobisomem, como nas lendas contadas pelo país. Em noites de lua cheia, eles revivem seus traumas noite adentro.
Nos minutos iniciais do curta é possível ver o jovem licantropo, sem nome, creditado somente como Filho, de maneira silenciosa, observar o pôr do sol, enquanto seus pais jantam, de modo igualmente sossegado, ao seu lado. Ele logo se retira, sem emitir um único som e a calmaria aparente é brevemente rompida pela reação de seus pais. Eles o veem se retirar, porém não o seguem. Por um lampejo de segundo, sua mãe observa o espaço que seu filho ocupava e retorna sua atenção ao seu prato. O menino trilha seu caminho pela mata, com uma corda em seus braços, rumo a baía de bois. Ao chegar lá, automaticamente começa a se amarrar a corda, de maneira quase que mecânica. O modo como ele domina a situação, sem esboçar reação, é um indicativo de como isso é rotineiro em seu dia a dia. Enquanto o filho se prende, isoladamente, seus pais trancam a casa e se retiram. Aquilo parece ser algo já corriqueiro em seus dias, todos ali parecem estar acostumados a isso, agindo de forma coreografada. O silêncio impera, a noite cai e o jovem se transforma. Beloto não parece tão interessado na transformação licantrópica, ainda que mostre brevemente seu início. Em um curta no qual impera o melancólico e o taciturno, o deleite reside justamente no que não se vê.
O cineasta constrói, desde os minutos iniciais, uma atmosfera enigmática e crescente, em que o sentimento de isolamento é palpável, quase como um personagem da trama. O Filho segue só pela madrugada, até chegar a sua residência e tentar forçar sua entrada, em uma sequência na qual o som intensifica a aura obscura que circunda aquela família. Aquele que cresceu desacompanhado, mais uma vez encontra-se distante dos seus, e seu primeiro anseio é, se não, aproximar-se de seus familiares. Enquanto seus pais fingem ignorar seu apelo, a noite faz-se companheira ao lobisomem.
Porém, ao amanhecer, a Mãe encontra seu Filho, desamparado na mata, e o leva para casa. Lá ele recebe os cuidados de que carece, abrigo e proteção. Talvez ele não seja tão apartado assim. Talvez, em meio a suas irmãs, que não partilham a mesma peculiaridade que ele – a licantropia -, o jovem não tenha tido uma vida tão única e tenha sim encontrado seus iguais, sua matilha. Ledo engano. A vida daquele jovem é cíclica e ele termina da mesma forma que começou. Parado, na soleira da porta, à espera do anoitecer. Mesmo que sua mãe o acalente todas as manhãs, ele ainda passará suas noites solo em meio a mata, fadado a viver isso repetidamente.
* Texto escrito a partir da programação da 8ª Mostra CineCaos (Cuiabá-MT), exibida online e gratuitamente no serviço de streaming brasileiro Darkflix no período de 01 a 10 de maio de 2023.
** “Me chamo Julia Barbara, tenho 23 anos, sou estudante do terceiro semestre de Cinema e Audiovisual na UFMT e eu desenvolvo uma pesquisa voluntária de Iniciação Científica sobre o cinema do Neville D’Almeida.”