8ª Mostra CineCaos: “Rachaduras” (2022) – Por Antonio Cuyabano Jr.
Rachaduras. Direção: Maria Arribasplata. País de Origem: Peru, 2022.
Um papel amassado dificilmente voltará a ser em sua forma natural novo, pois o amassado nunca é apagado. Em meio a tantos traumas e histórias que ninguém conta, Rachaduras busca expor os abalos e dificuldades das personagens, assim como as curas que surgem como forma de afeto.
Em meio a uma paisagem bem introspectiva, viajamos para dentro dos pensamentos e vivências de uma personagem feminina. A partir da sua visão encaramos todos os traumas vividos por uma vida sem pertencimento. Através da estética de colagem, notamos como as lembranças retomam a formas não concretas, apenas a mistura de figuras distintas e presentes. O Efeito que a colagem transforma dentro da animação influencia diretamente a percepção narrativa. A partir da somatória do que viriam a ser eventos ou memórias, a colagem possui esse tipo de proximidade, criando uma atmosfera favorável ao contato com esse tipo de intenção. No percorrer da narrativa, notamos que essas memórias preenchidas se revelam em algo bastante interno da protagonista, como uma forma antropológica da própria história dela. Nesse sentido, a ambientação alegórica apresentada através de alguns elementos, tais quais espadas e a própria cobra, retomam o que viria a ser a própria narrativa que nos guia.
A devastação do corpo, pensamentos e ações elabora, na viagem subjetiva da personagem, um mergulho num mar descendente de contextos que tanto as formam, assim como as ferem. Ao propiciar tais elementos figurativos, que direcionam o espectador a um estado sentimental em relação ao acontecimentos, contornamos tais processos demonstrados em rachaduras, com um preenchimento humano e gentil. A presença do familiar que tanto conta a narrativa, assim como transmite conhecimento, transforma toda a relação proposta no curta de forma positiva, ou seja, notamos que as próprias feridas que surgem são elementos que constroem o próprio ser. Dessa maneira, conseguimos compreender não apenas os traumas vividos pela protagonista, mas principalmente o afeto daqueles que em si estão com ela.
Ainda assim, Rachaduras indica, por meio do seu vasto simbolismo de tormento e provação, uma assimilação à positividade de elementos como o próprio afeto. Dessa forma, desconstruímos uma história de destruição para consolar a vivência do agora, costurando todas as rachaduras criadas.
* Texto escrito a partir da programação da 8ª Mostra CineCaos (Cuiabá-MT), exibida online e gratuitamente no serviço de streaming brasileiro Darkflix no período de 01 a 10 de maio de 2023.
** Antonio Cuyabano Jr. Cuyabano apenas no nome, natural de Caçapava. Formado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Mato Grosso. Escritor e realizador cinematográfico.