8ª Mostra CineCaos: “Sou Sangue” (2020) – Por Wuldson Marcelo
Sou Sangue. Direção: Roberta Rangel. País de Origem: Brasil, 2020.
Sou Sangue é um vídeo de pouco mais de um minuto. Do Distrito Federal, com concepção, performance e edição de Roberta Rangel, o curta experimental reverbera, em um misto de tom poético e voz de protesto, o sentido do sangue, no que tange aos símbolos e formas.
Constituindo-se de expressões faciais e construção sonora inconfortável e incisiva, Sou Sangue joga com a noção de vida e morte atrelada ao sangue. O sangue da menstruação, mensal, que renova a vida, o líquido viscoso vermelho que corre nas artérias e veias ao sangue do vínculos, da existência, vigor e violência. Isto é, o sangue literal e o sangue figurativo.
Nesse sentido, é instigante pensar o sangue, como revela a sinopse da mini-metragem, que mensalmente adorna a performer, num movimento de luta, cura e renovação, surgindo da ponta da cabeça, escorrendo pelo rosto como se fosse resultado de um gesto de violência, que é enfatizado pelo áudio, que traz agressões verbais e palavras de oposição ao domínio avassalador, selvagem do patriarcado, e a expressão da atriz assustada, incrédula, que grita e que é, principalmente, resistente.
O sangue que pulsa e o sangue derramado, com o qual se pinta o rosto e se faz guerreira. Desse modo, Sou Sangue é uma ensaio artístico-político, que se inicia com o título do vídeo aparecendo em várias idiomas, aproximando seu significado de todos, tornando-o único, sem erro na tradução, até a dedicatória as avós, remetendo-nos à ancestralidade, ao ensinamento das mais velhas.
“Eu sou o sangue que escorre de mim” ao final defini uma vida em fluxo e a necessidade – cruel e, infelizmente, histórica – de se estabelecer e restabelecer a partir do confronto com a perversidade do patriarcado.
Sou Sangue é um experimento de poesia e coragem, que é um caso de cinema de ideias e concisão, da possiblidade de transmitir muito em pouco tempo, com a soma de elementos essenciais como atuação, som e montagem.
* Texto escrito a partir da programação da 8ª Mostra CineCaos (Cuiabá-MT), exibida online e gratuitamente no serviço de streaming brasileiro Darkflix no período de 01 a 10 de maio de 2023.
** Wuldson Marcelo. É Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea (UFMT) e graduado em Filosofia (UFMT). Autor dos livros As luzes que atravessam o pomar e outros contos (Editora Carlini & Caniato, Cuiabá, 2018), Obscuro-shi – Contos e desencontros em qualquer cidade (Editora Carlini & Caniato, Cuiabá, 2016) e Subterfúgios Urbanos (Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2013). Já organizou duas antologias de contos e poemas: Beatniks, malditos e marginais em Cuiabá: Literatura na Cidade Verde (Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2013) e I Prêmio Rodivaldo Ribeiro de Literatura (Editora Carlini & Caniato, Cuiabá, 2021). Além disso, é cineasta, roteirista e curador da Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, edições de 2017 a 2022, organizado pelo Aquilombamento Audiovisual Quariterê. É um dos editores da revista virtual de arte e cultura Ruído Manifesto.