“A casa sem janelas e a vida de Eepersip lá” de Barbara Newhall Follett – Por Andri Carvão
“O canal que mantenho no YouTube desde outubro de 2021, Poesia Nunca Mais, onde indico livros e compartilho algumas de minhas leituras, deu margem a que eu escrevesse minhas impressões de leituras como roteiros para a realização dos vídeos. A princípio em forma de tópicos, resolvi organizar os escritos de modo a que pudessem ser lidos em algum meio: blog, rede social, site etc. Com a apreciação sobre A casa sem janelas e a vida de Eepersip lá de Barbara Newhall Follett prosseguimos com a coluna “Traça de Livro: …impressões de leitura…”.
Vida longa à Ruído Manifesto e aos seus leitores!”.
Andri Carvão é formado em Letras pela Universidade de São Paulo, autor de Um sol para cada montanha, Poemas do golpe, Dança do fogo dança da chuva e O mundo gira até ficar jiraiya, dentre outros. Apresenta o canal no YouTube Poesia Nunca Mais e publica poemas quinzenalmente no site O Partisano.
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A casa sem janelas e a vida de Eepersip lá | Barbara Newhall Follett
Barbara Newhall Follett (1914-1939?) escreveu um romance aos oito anos de idade. Porém, devido a um incêndio em sua casa, perdeu os originais. Aos 12 anos, reescreveu e publicou A casa sem janelas e a vida de Eepersip lá (1926).
O livro narra a história da menina Eepersip, uma criança que vive com os pais num “pequeno chalé marrom de telhas aos pés do Monte Varcrobis”. Como a menina se sente muito solitária, ela pede aos pais que cultivem o mais belo jardim na casa.
A autora descreve o jardim enumerando flores, borboletas e toda sorte de insetos. Isto feito, Eepersip não deixa de se sentir solitária. Um belo dia, ela abastece uma cesta com sanduíches e biscoitos, e parte pelo bosque de pinheiros sem avisar a ninguém.
Embora A casa sem janelas seja uma história simples, Barbara mostra domínio técnico da narrativa ainda em tão tenra idade, fazendo uso de uma linguagem enxuta e poética.
A história é dividida em três partes: O campo, O mar e As montanhas. Mas vou me ater apenas à primeira parte para evitar spoilers.
A cesta de mantimentos remete de imediato à caracterização de Chapeuzinho Vermelho. Ao atravessar o bosque, Eepersip chega a uma charneca onde se depara com duas corças ou cervos. A menina procura não afugentar mãe e filhote, estendendo-lhes um torrão de açúcar. Para a sua surpresa, a corça/cervo lambe sua mão, pois Eepersip inspira confiança. Ela se senta na relva e logo adormece rodeada de animais, o que nos leva a lembrar de Alice no país das maravilhas e da Branca de Neve por situação semelhante. Os animais não falam, porém há uma aura fabular na narrativa, tal o tom adotado pela jovem autora.
Ao despertar, lembrando-se que não havia comido nada além de algumas frutas silvestres, Eepersip devora três sanduíches. O leitor mais desavisado pode pensar que nesse momento ela vai voltar para a casa. Mas que nada. Nossa heroína se aventura desbravando os caminhos da natureza até o precipício onde avista um rio “seguindo seu curso vale abaixo”.
Em meio a relva, Eepersip tem uma epifania, rodopiando, dançando entre as belezas da natureza, entre pássaros, borboletas, grilos, peixes, flores, árvores… Cansada de tanto movimentar-se, ela tira os sapatos e as meias e decide seguir a caminhada descalça.
Está tudo às mil maravilhas com a menina Eepersip, porém, passados três dias, seus pais começam a ficar preocupados com o seu desaparecimento. Afinal, não era a primeira vez que ela havia se perdido na floresta, mas sempre encontrava o caminho de casa.
Eepersip se livra das meias e dos sapatos lançando-os ao precipício e admirando a queda lá do alto com um sentimento de liberdade indescritível.
Sua família fica preocupada pensando que Eepersip pode estar com fome, ou pior, ter servido de alimento para algum animal selvagem. Porém, nem imaginam que a esperta menina se alimenta de plantas, raízes e frutas silvestres. A autonomia da criança me fez lembrar do jovem líder (Rei de todo o reino) de Onde vivem os monstros de Maurice Sendak.
O Sr. e a Sra. Eigleen e o vizinho Sr. Wraspane partem em busca de Eepersip. Os adultos se deparam com o Pico Eiki-enern e desacreditam ser possível que uma criança consiga transpor tal barreira. Escutam um canto na floresta, mas não o alcançam. Acreditam se tratar de uma fada. “Fada! Fadas não existem – imbecil!” (p. 28) O que ocorre é que a menina os vê e eles não a veem, porque ela se esconde de suas vistas como numa brincadeira de pique-esconde.
Eepersip é descrita como uma criança “ágil como uma corça e leve como um lince” e ainda “leve como uma pluma e graciosa como uma samambaia”. (p. 35)
Sr. Eigleen, também grafado como Mr. Eigleen, tenta capturá-la logo pela manhã, assim que Eepersip bebe água da piscina (lago) próxima ao chalé marrom. Mesmo escondido atrás do grande pinheiro e agarrando-a de surpresa, a menina se mostra mais forte e mais esperta do que todos e se safa.
Desse modo, devido às reiteradas tentativas frustradas de capturar Eepersip, os Eigleen movimentam a vizinhança para trazê-la de volta para casa. Mas a casa sem janelas é o seu novo lar, onde a menina se encontra cercada pela natureza sob um teto de estrelas. Em sua jornada pela floresta, Eepersip tem a companhia do esquilo Chippy e do gatinho Floco de Neve.
Além das obras citadas anteriormente, essa história da menina-natureza ou menina selvagem, atiçou a minha memória literária, evocando a Mogli, o menino lobo, conto presente no Livro da selva de Rudyard Kipling, Heidi, a menina dos Alpes de Johanna Spyri e O pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry. São como histórias-irmãs. Isso para ficar no universo da literatura infanto-juvenil.
Já no caso da literatura para o público adulto, cito Walden ou a vida nos bosques de um dos ideólogos do anarquismo, H. D. Thoureau e o homem-natureza presente em A travessia do Snark do aventureiro Jack London, ambos clássicos da literatura norte-americana que, talvez, a autora-mirim possa ter tido contato.
O único ponto negativo do livro é que, em alguns momentos, o vocábulo cervos é grafado como servos, mostrando que faltou revisão nessa tradução, embora o livro seja ótimo e a edição muito caprichada.
A jovem escritora Barbara Newhall Follett segue os passos de sua personagem Eepersip. Publicado quando a autora tinha 12 anos, A casa sem janelas recebeu críticas positivas de jornais importantes dos Estados Unidos como o New York Times e o Saturday Review of Books, ao ponto de afirmarem que se Barbara Newhall Follett continuasse escrevendo daquela maneira se tornaria a melhor escritora do país.
Ainda na infância, Barbara sofreu com a separação dos pais. Sua mãe foi trocada por uma mulher mais jovem. Isso marcou profundamente a personalidade da jovem escritora, tornando-a solitária e introspectiva. Barbara casou-se aos dezesseis anos, como era comum na época. Em 1939, aos 25 anos, depois de uma discussão com seu companheiro, temendo ser abandonada como aconteceu com sua mãe, saiu de casa e desapareceu sem deixar vestígios. Nunca mais foi encontrada, seu paradeiro ou mesmo seu corpo. Embora muito famosa em seu tempo, o seu desaparecimento não foi noticiado na época devido a escritora usar o sobrenome do marido. Somente na década de 60 é que o fato veio a público.
Barbara Newhall Follett deixou um segundo livro inédito, The Voyage of the Norman D. (1928), publicado postumamente e ainda sem tradução no Brasil.
Edição lida:
NEWHALL FOLLETT, Barbara, A casa sem janelas e a vida de Eepersip lá, 350 p., edição bilíngue port/ing., tradução de Lígia Garzaro, ilustrações de Renata Volcov, Editora Rua do Sabão, 1ª edição, 2021.