A professora virou youtuber? – Por Sílvia Barros
TRAVESSIA é coluna reservada a poeta de mão cheia, Sílvia Barros. A periodicidade é quinzenal, preferencialmente às terças-feiras, mas isso não é regra, só os 15 dias. O objetivo do espaço é jogar luz sobre as intercessões presentes na relação entre conhecimento acadêmico e saber ancestral. Boa leitura!
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Há um tempo se fala sobre uma espetacularização mercadológica da sala de aula: professores e professoras que deveriam virar artistas (cantoras, comediantes, atores e atrizes) para competir com a sedução da televisão e da internet. Dizer que, em tempos de educação on-line provocada ou não pela pandemia de Covid-19, o professor virou youtuber não é descrever um processo que começou agora, mas definir um aprofundamento dessa mudança no trabalho pedagógico a partir das características da linguagem on-line, o que gera também precarização, aumento de carga e estresse.
Durante a aula ao vivo da semana passada, uma encomenda chegou para mim. Eu sabia o que era: eram os exemplares da antologia Poesia negra feminina: poemas de sobre (Vivência), livro de que faço parte como coautora. Eu estava muito curiosa para abrir a caixa, ver o resultado do livro em mãos, sabia também que as organizadoras (queridas Elizandra Souza e Iara Aparecida) tinha colocado mimos e surpresas junto com os livros. Decidi abrir a caixa durante o intervalo da aula, ao vivo mesmo, diante da turma, caso quisessem ver o conteúdo da caixa comigo. Uma parte do grupo ficou muito entusiasmada para acompanhar o processo de abertura. Uma verdadeira “live” de “unboxing” no Youtube. Mostrei os livros, a capa, o miolo (com minha foto e meus poemas), mostrei os presentes que vieram junto, falei um pouco do livro e, ao fim do intervalo, retomamos a aula.
Tive meus momentos de youtuber, mas não por esforço para reter a atenção das/os estudantes, aconteceu pela espontaneidade típica do encontro entre pessoas, que também acontece em sala de aula. Talvez menos nas salas virtuais do que nas presenciais. Na espontaneidade mora também nossa humanidade e, em mim, além da professora, habita a escritora. Quero que meus alunos e minhas alunas saibam que podemos sempre ter e realizar sonhos. O meu sonho de criança era ser escritora, mas ser professora também era, e um não exclui o outro. As duas faces se alimentam e se admiram.
Aliás, só estou escrevendo esta crônica hoje, porque, trabalhando em sala de aula com as crônicas incríveis de Lilia Guerra, senti vontade de escrever algo assim também, mobilizando a escritora e a professora, partes indissociáveis de mim. Entendo todo o esforço dos meus colegas e das minhas colegas para permanecer no mercado de trabalho, especialmente quando se trata de educação privada. Tenho um respeito enorme por quem permanece no magistério quando nos perseguem, quando querem nos calar e nos substituir.
Desejo mesmo que ser quem somos – personalidades tímidas, artísticas, corpóreas, sonhadoras – faça parte dos currículos escolares, esse que não está escrito em planejamentos e bibliografias, mas que se faz nas salas de aula, nos corredores, nos pátios, nas atividades elaboradas, nas conversas que só têm espaço para acontecer nesse lugar que chamamos de escola.