“Apuntes / Anotações”, poemas de Belén Ojeda traduzidos por Gladys Mendía
Belén Ojeda (Caracas, Venezuela, 1961). Música, Tradutora e Poeta. Formada com honras pelo Conservatório Tchaikovski de Moscou. Publicou os poemários: Días de solsticio (PEN CLUB, 1995); En el ojo de la cabra (Editorial Diosa Blanca); Territorios (La Liebre Libre Editores, 2000); Graffiti y otros textos (Monte Ávila Editores Latinoamericana, 2002), Obra completa (1995-2020) (LP5 Editora, 2020) e Somos cuatro (LP5 Editora, 2022), onde traduz diretamente do russo para escritores da Era de Prata: Anna Akhmátova, Marina Tsvietáieva, Ósip Mandelshtam e Boris Pasternak.
Gladys Mendía (Venezuela, 1975) é escritora e editora. Tradutora do português para o castelhano, contando entre seus trabalhos de tradução a antologia poética de Roberto Piva intitulada “A catedral da desordem” (2017). Foi bolsista da Fundação Neruda (2003 e 2017) e participou do Workshop de Criação Poética com Raúl Zurita (2006). Publicou em diversas revistas literárias, assim como em antologias, sendo a mais recente “Temporary Archives, Poems by women of Latin America”, ed. Juana Adcock e Jèssica Pujol Duran, ARC Publications, 2022, Reino Unido.
Seus livros são: “O tempo é a ferida que goteja” (2009); “O álcool dos estados intermediários” (2009); “A silenciosa desesperação do sonho” (2010); “A grita. Reescrita de As Moradas, de Teresa de Ávila” (2011); “Inquietantes deslocações do pulso” (2012); “O canto dos manguezais” (2018); “Telemática. Reflexões de uma adicta digital” (2021); “LUCES ALTAS luces de peligro” (2022) e seus mais recentes livros cocriados com Inteligência Artificial: “Fosforescência tigra”, “Aire” e “Memorias de árvores” (2023).
Ela é editora fundadora da Revista de Literatura y Artes LP5.cl e LP5 Editora, desde o ano de 2004. É cofundadora da Furia del Libro (Feira de editoras independentes, Chile). Como editora, desenvolveu mais de vinte e cinco coleções de poesia, narrativa, ensaio e audiovisuais, publicando mais de 500 autores.
***
Apuntes / Anotações
(Traducción al portugués de Gladys Mendía de los poemas titulados “Apuntes”, sección incluida en el libro Fragmentos, de Belén Ojeda, libro próximamente a ser publicado
por LP5 Editora.)
(Tradução para o português por Gladys Mendía dos poemas intitulados “Anotações”, seção incluída no livro Fragmentos, de Belén Ojeda, livro a ser publicado em breve pela LP5 Editora.)
I
Fundamos nuestra realidad sobre el aliento.
Las cifras de la existencia forman un círculo sagrado que recorremos lentamente.
Movimiento en lo bajo y continuo.
I
Fundamos nossa realidade sobre o sopro.
Os números da existência formam um círculo sagrado que percorremos lentamente.
Movimento em baixo e contínuo.
*
II
Cuando la dureza busca aliento, adviene la grieta.
Vida y muerte dan forma al vacío para quedarse en la memoria.
II
Quando a dureza busca alento, surge a rachadura.
Vida e morte moldam o vazio para permanecer na memória.
*
III
Los barqueros muestran lo que oculta el fondo.
La dirección de la corriente no basta para conservar el rumbo.
Es preciso dejarse llevar por lo continuo a ambos lados de lo incierto.
III
Os barqueiros mostram o que o fundo esconde.
A direção da correnteza não é suficiente para manter o rumo.
É preciso se deixar levar pelo contínuo de ambos os lados do incerto.
*
IV
Una ventana nos une a lo exterior. Una herida nos une a lo interior.
Mientras la ventana clama por lo infinito, la herida implora por lo finito.
Lo hueco aloja el vacío que lo define. Ni vincula ni protege.
IV
Uma janela nos une ao exterior. Uma ferida nos une ao interior.
Enquanto a janela clama pelo infinito, a ferida implora pelo finito.
O oco abriga o vazio que o define. Não vincula nem protege.
*
V
Lo invisible nos envuelve, nos esculpe, nos define.
Talla gestos y expresiones, surca la piel, revela asimetrías, hunde los costados.
Nos socava hasta transformarnos.
V
O invisível nos envolve, nos esculpe, nos define.
Entalha gestos e expressões, sulca a pele, revela assimetrias, afunda os lados.
Nos mina até nos transformar.
*
VI
Toda enfermedad es una Metamorfosis.
VI
Toda doença é uma Metamorfose.
*
VII
Traemos en nuestro equipaje grandes caracoles donde guardamos la memoria del mar.
Algunos han visto sólo un ojo en nuestros rostros. No llevamos ni lanzas ni flechas.
Sólo ánforas llenas y vacías.
Permanecemos erguidas, en silencio, cumpliendo antiguos designios.
VII
Trazemos em nossa bagagem grandes caracóis onde guardamos a memória do mar.
Alguns viram apenas um olho em nossos rostos. Não carregamos lanças nem flechas.
Apenas ânforas cheias e vazias.
Permanecemos eretas, em silêncio, cumprindo antigos desígnios.
*
VIII
Guardamos en la sal la tradición de lo oscuro. Nadie develará el misterio de lo diverso y
caótico. Sabemos que acampar es suficiente para permanecer, pero nadie nos escucha,
porque escuchar es parte de la tradición perdida.
VIII
Guardamos no sal a tradição do obscuro. Ninguém revelará o mistério do diverso e caótico.
Sabemos que acampar é suficiente para permanecer, mas ninguém nos escuta,
porque escutar é parte da tradição perdida.
*
IX
Presenciamos la batalla fuera de su ámbito.
El arsenal enemigo nos estallaba por dentro sin destruir nuestros cuerpos.
Venimos alojando las imágenes del deterioro y por largo tiempo hemos caminado, sin
reconocerlo, como perros solitarios, lamiendo nuestras heridas, buscando el camino de
regreso.
IX
Presenciamos a batalha fora de seu âmbito.
O arsenal inimigo nos explodia por dentro sem destruir nossos corpos.
Vimos abrigando as imagens do deterioro e por muito tempo caminhamos, sem
reconhecê-lo, como cães solitários, lambendo nossas feridas, buscando o caminho de volta.
*
X
Las imágenes nos penetraron como balas. No pudimos huir a ningún lugar.
Quedamos invadidos sin cerco, heridos con la piel intacta, deformes sin cicatrices,
mientras el cuerpo, a la deriva, buscaba trascender su larga mirada de abandono.
X
As imagens nos penetraram como balas. Não pudemos escapar para nenhum lugar.
Ficamos invadidos sem cerco, feridos com a pele intacta, deformados sem cicatrizes,
enquanto o corpo, à deriva, buscava transcender seu olhar prolongado de abandono.
*
XI
Los topos dedican su vida a cavar.
Dicen que los machos buscan la libertad en lo oscuro. Cavan y cavan penetrando la
tierra. Algunas veces lo blando se desmorona y creen encontrar la superficie liberadora.
Las hembras conocen lo inútil de esta tarea.
Se dedican a la cría y al trabajo de tapar las perforaciones laberínticas de sus hijos.
XI
Os toupeiras dedicam suas vidas a cavar.
Dizem que os machos buscam a liberdade no escuro. Cavam e cavam penetrando a terra.
Algumas vezes, o macio desmorona e eles acreditam encontrar a superfície libertadora.
As fêmeas conhecem o inútil desta tarefa.
Dedicam-se à criação e ao trabalho de tapar as perfurações labirínticas de seus filhos.
*
XII
Los dromedarios tienen la memoria en su joroba.
Dicen que acumulan grasa para resistir las travesías, pero quienes migran con estos
animales, saben que llevan allí los dolores de la especie.
Algunos viajeros han dejado testimonio de que al principio sólo existían dromedarios,
hasta que las hembras ensancharon sus recuerdos y los dromedarios comenzaron a
llamarlas camellos.
XII
Os dromedários têm a memória em sua corcova.
Dizem que acumulam gordura para resistir às travessias, mas aqueles que migram com
esses animais sabem que eles carregam ali as dores da espécie.
Alguns viajantes deixaram testemunho de que no começo só existiam dromedários,
até que as fêmeas ampliaram suas lembranças e os dromedários começaram a chamá-las
de camelos.
*
XIII
Las nomenclaturas, los estilos, clasificaciones y afines, son parte del territorio donde
aún arrastras tu milenaria cola de reptil.
XIII
As nomenclaturas, os estilos, classificações e afins, são parte do território onde ainda
arrastas tua milenar cauda de réptil.
*
XIV
Hay algo de cirugía estética en el uso de los signos de puntuación: se suspende lo que
incomoda, estorba o disgusta…..
XIV
Há algo de cirurgia estética no uso dos sinais de pontuação: suspende-se o que incomoda,
atrapalha ou desgosta…
*
XV
La República privilegia lo monárquico: reinan sucesores y herederos.
XV
A República privilegia o monárquico: reinam sucessores e herdeiros.
*
XVI
Democracia: libertad de instaurar pequeñas dictaduras.
XVI
Democracia: liberdade de instaurar pequenas ditaduras.
*
XVII
Orquesta: organización tribal creada por los europeos, en tiempos relativamente
recientes, para ejecutar música.
XVII
Orquestra: organização tribal criada pelos europeus, em tempos relativamente
recentes, para executar música.
*
XVIII
La cantante oficial es única
En la próxima temporada cantará
inclusive
los roles masculinos
Es la única cantante oficial
XVIII
A cantora oficial é única
Na próxima temporada cantará
inclusive
os papéis masculinos
É a única cantora oficial.
*
XIX
Los magistrados llevan la conciencia en la peluca.
En la vida real son calvos.
XIX
Os magistrados carregam a consciência na peruca.
Na vida real são carecas.
*
XX
Lo discontinuo nos conduce al caos permanente, a la fundación constante.
XX
O descontínuo nos conduz ao caos permanente, à fundação constante.
*
XXI
Algunos poetas viajan para constatar realidades ajenas.
Yo viajo para agregar rombos a mi traje.
XXI
Alguns poetas viajam para constatar realidades alheias.
Eu viajo para acrescentar losangos ao meu traje.