“Avatar: O Caminho da Água” (2022) – Por Aline Wendpap
É tempo do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.! Como todo ano, a premiação, também conhecida como Oscar, supostamente indica e condecora os melhores filmes, atuações e trabalhos técnicos da temporada. Um propósito no qual falha, às vezes de modo ofensivo para os amantes da sétima arte, desde 1929. O que ocasiona decepções e polêmicas, aumentando seus detratores. Oscar, afinal, é honraria da indústria e não reconhecimento artístico. Por outro lado, o troféu tem seus admiradores, que se sentem representados pelas escolhas da Academia e até promovem bolões. Mesmo críticos de cinema têm esse hábito.
Independentemente do amor, da repulsa ou da indiferença, o “The Oscar goes to…” segue cativando e movendo cinéfilos, confirmando o lugar da festa hollywoodiana como a maior cerimônia de premiação de cinema que existe no mundo (cuja audiência diminui ano após ano).
Como amamos cinema (e assumindo as incoerências da vida), convidamos escritores, críticos e estudantes de audiovisual para escreverem sobre alguma das 10 produções indicadas à categoria principal: a de melhor filme.
Avatar: O Caminho da Água já ocupa a terceira colocação entre os filmes de maior arrecadação na história do cinema. A obra de James Cameron, além do sucesso de público, garantiu uma vaga na lista final das melhores produções do ano. A nossa colunista Aline Wendpap escreve sobre a sequência da obra de 2009, e se toda essa glória é merecida.
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Avatar: O Caminho da Água. Direção: James Cameron. País de Origem: Estados Unidos, 2022.
A primeira vez que fiz mergulho, nas lindas nascentes e rios da cidade de Nobres (MT), uma nova realidade se descortinou para mim, e só então ficou mais palpável a ideia de que o mundo contém vastos universos dentre dele e que as águas contêm muitos mistérios e segredos. Essa vivência também me fez pensar que, por mais que se compartilhe uma experiência através de relatos, fotos ou vídeos a sensação sinestésica nunca é plenamente alcançada por quem a acompanha apenas como espectador.
Entretanto, em Avatar 2: O Caminho da Água “, James Cameron mata o desafio no peito e cria algumas das experiências sensoriais mais ricas do cinema nos últimos anos”, de acordo com Gabriel Avila, do site Jovem Nerd (13.12.22). Afirmação com a qual eu concordo, pois os voos, os mergulhos e os momentos contemplativos talvez estejam por inaugurar uma nova corrente cinematográfica, exatamente no momento em que tudo no âmbito da sétima arte deve ser rápido, com muitos cortes e urgente, Cameron divaga, plaina e nos possibilita inclusive instantes meditativos diante da telona. Ele se permite ter tempo, neste segmento caríssimo, mas, sobretudo, nos permite usufruir deste tempo para contemplar este mundo espetacular por ele e sua equipe criado.
Com toda a tecnologia incorporada é muito premente o sentir. Sim, o espectador consegue “mergulhar”, estar no fundo do mar e até perder o fôlego em alguns momentos. Todo este sentir, em minha opinião, se estende para a narrativa, principalmente, mas não só, por meio de Kiri interpretada pela experiente Sigourney Weaver, que, segundo algumas especulações, teria sido a “musa inspiradora” das continuações do blockbuster Avatar.
E, quando se fala em filme blockbuster, James Cameron é um dos nomes de maiores referências, devido a seus vários sucessos de bilheteria como: O Exterminador do Futuro 1 e 2, Aliens, O Resgate (1986), Titanic (1997) e claro, Avatar (2009). Em Avatar: o caminho das águas (2022), o diretor amplia o universo de Pandora e traz a continuação da narrativa iniciada em 2009 que cativou o mundo e nos apresentou a possibilidade, até então distante, de termos nossos corpos substituídos por avatares, ou seja, corpos criados a partir de engenharia genética em laboratórios. Também nos apresentou o povo Navi, muito conectado à energia vital vinda da terra e que entendia muito bem o ciclo da vida e o respeito à vida como um todo. Essa aventura foi instigante e irretocável, tanto do ponto de vista técnico, quanto narrativo.
Em Avatar 2 a intenção parece ser a de querer ampliar essa forma holística de ver o mundo, já que a força de Eiwa (entidade espiritual máxima dos Navi’s) também se apresenta desde o fundo do oceano. Talvez por isso “o caminho da água” – já bem explorado pela filmografia anterior de Cameron e muito bem referenciada em vários momentos do filme – tenha sido uma boa alternativa. Posto que, como pontuei no início deste texto, as águas aguçam a ampliação da nossa percepção ao mesmo tempo em que despertam nossa imaginação, devido aos seus mistérios e segredos.
Trabalhando neste sentido Kiri é provavelmente a personagem mais enigmática da trama, visto que não se sabe ao certo a origem de sua concepção, fato que a aproxima bastante de uma entidade sobrenatural, o que de certa maneira, se confirma quando ela sente e depois usa, sua forte conexão com Eiwa.
Essa experiência – de uma atriz madura fazer o papel de uma adolescente – é algo bem incomum e repleta de sentido, na medida em que parece retomar, por meio da tecnologia, a magia fundamental do cinema, a mesma que habitava mentes como a de Georges Méliès. Ao mesmo tempo que nos lembra a função primordial do cinema, que é contar histórias.
Não obstante tudo isso, algumas escolhas podem ser questionadas, destaco aqui a volta de Stephen Lang, desta vez como um clone do coronel Miles Quaritch. Isso tornou o conflito muito pessoal, e, de certa maneira a causa fica um tanto quanto esvaziada e acaba não tendo muito sentido envolver tribos inteiras na defesa de uma única família.
Todavia, ao olhar desde uma perspectiva psicanalítica ou mesmo sistêmica, verifica-se como a relação pai e filho é uma das forças motrizes da engrenagem humana e da narrativa em questão. Essas relações são evidenciadas nos vários núcleos que compõem a trama, no de Jake (Sam Worthington), Neytiri (Zoe Saldana) e sua família; no de Ronal (Kate Winslet), Tonowari (Cliff Curtis) e seus filhos e até mesmo entre o clone do coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) e Spider (Jack Champion), adolescente nascido em Pandora que tem laços profundos com a família Na’vi de Jake Sully.
Em resumo, esta é uma grande obra da cinematografia mundial, sobretudo nos aspectos técnicos, como é possível verificar por suas quatro indicações ao Oscar de 2023: Filme, Efeitos Visuais, Direção de Arte e Som. Das quais deve vencer pelo menos uma. E que vale ser vista como uma experiência audiovisual, ainda que haja muitas camadas delineadas, que não tenham sido esgarçadas a fundo. Mas que ainda assim valem a pena incitação de tais reflexões, como a de uma energia profunda que conecta tudo.
Onde assistir: Em exibição nos cinemas.
* Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).