Cansadito – Por Hugo Lorenzetti Neto
Na coluna mensal “Jerônima” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), a bonita Hugo Lorenzetti Neto nos traz – no melhor estilo eu-miss-desejo-a-paz-mundial – traduções de autoras e autores de diversas línguas e partes do globo. Diplomacia com plissado rosê. Regras: 1) cada coluna é um baile temática, os textos traduzidos têm um tema em comum; 2) uma espécie de ensaio inédito do colunista amarra sempre as traduções. A coluna irá ao ar sempre na última quinta-feira do mês.
Hugo Lorenzetti Neto é diplomata e tradutor, e atuou quase toda sua carreira, de 2006 até o momento, na área cultural do Itamaraty. Atualmente lotado no escritório do Ministério em Recife, oferece oficinas de escrita e realiza clubes de leitura, além de divulgar poesia em seu projeto O Caderno Rosa (@ocadernorosa, no Instagram).
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Cansadito
Esta é uma coluna cansada, e não preguiçosa.
Para completar, as pessoas com quem falo por aqui, as do cotidiano – alunos, pessoas que trazem projetos, boys no Grindr – todas têm o trabalho como absoluto, como necessariamente bom. É um disparate imenso quando eu digo que detesto trabalhar (até gosto de partes do que eu faço). Blasfêmia até. Chatão esse olhar em cima do meu mau humor. Por isso encho a lata de café e depois não durmo. Passo os dias com cara de bosta. E escalo uma montanha até a escrita – quando consigo escalar qualquer coisa mais alta que uma banqueta para alcançar as taças de vinho guardadas no alto justamente para eu não beber demais.
Mas estou exausto e saberia o que fazer se fosse herdeiro: escrever e não ter dificuldade de achar editora que me publique, por exemplo, até porque quereria ser herdeiro de dono de editora enorme. Já que estou sonhando, não é?
A sorte é ter bastantes folgas e poder viajar para escrever e comprar livros que sei lá quando vou ler.
Alguns poemas ficam na Rádio Obsessora FM – poemas e canções – quando estou bem cansado. Vou colocar alguns deles aqui, e traduzi-los. Não vou conseguir comentar mais. Vocês vão me desculpar: era isso ou dois meses sem ocupar minha própria coluna. Melhor aproveitar o ruído da estática no cérebro sem sintonia. Amanhã tenho que entrevistar 15 estudantes, vinte minutos de trabalho com cada um: uma prova oral bastante injusta – mas estou cansado demais para lavar essa roupa aqui e agora.
Como digo 20 vezes ao dia antes de cada tarefa, mais antes de cada uma das 60 respostas que dou diariamente por WhatsApp: vamos a isso.
*
Trabajar para la muerte
Idea Vilariño
El sol el sol su lumbre
su afectuoso cuidado
su coraje su gracia su olor caliente
su alto
en la mitad del día
cayéndose y trepando por lo oscuro del cielo
tambaleándose y de oro
como un borracho puro.
Días de días noches temporadas
para vivir así para morirse
por favor por favor
mano tendida
lágrimas y limosnas
y ayudas y favores
y lástimas y dádivas.
Los muertos tironeando del corazón.
La vida rechazando
dándoles fuerte con el pie
dándoles duro.
Todo crucificado y corrompido
y podrido hasta el tuétano
todo desvencijado impuro y a pedazos
definitivamente fenecido
esperando ya qué
días de días.
Y el sol el sol
su vuelo
su celeste desidia
su quehacer de amante de ocioso
su pasión
su amor inacabable
su mirada amarilla
cayendo y anegándose por lo puro del cielo
como un borracho ardiente
como un muerto encendido
como un loco cegado en la mitad del día.
/
Trabalhar para a morte
Idea Vilariño
O sol o sol seu fogo
seu afetuoso cuidado
sua coragem sua graça seu olor quente
seu alto
na metade do dia
caindo e trepando pelo escuro do céu
cambaleando-se e de ouro
como um bêbado puro.
Dias de dias noites temporadas
para viver assim para se morrer
por favor por favor
mão estendida
lágrimas e esmolas
e ajudas e favores
e lástimas e dádivas.
Os mortos se arrancando do coração.
A vida rechaçando
dando-lhes forte com o pé
dando-lhes duro.
Todo crucificado e corrompido
e apodrecido até o tutano
todo desvencilhado impuro e espedaçado
definitivamente fenecido
esperando já que
dias de dias.
E o sol o sol
seu voo
sua celeste desídia
seu afazer de amante de ocioso
sua paixão
seu amor inacabável
seu olhar amarelo
caindo e se afogando pelo puro do céu
como um bêbado ardente
como um morto inflamado
como um louco cego na metade do dia.
*
All the tired horses
Bob Dylan
All the tired horses in the sun
How’m I supposed to get any writing done?
/
Todos os cavalos cansados
Bob Dylan
Todos os cavalos no sol, cansados
Como é que vou deixar algum escrito terminado?
*
Gonzalo
Cecilia Pavón
No en un millón de años
Vuelvo a escribir entre drogados, pero
sin drogarme.
Junto a Gonzalo, vestido de jeans
tomó drogas para caballos, me pide que
lo acompañe a hablar por teléfono
(al hospital?) está mareado, pobrecito
parece un pobre ángel herido,
un pobre animal desamparado.
¿Por qué tomaste eso, Gonzalo?
Para probar, sólo para probar.
Estamos en un shopping,
somos amigos del dueño,
está cerrado porque ya es la madrugada
y hay una fiesta.
Caminamos por este lugar tan grande
lleno de glamour, lujo, sofisticación.
El piso de parquet brilla.
Cuando llegamos a su casa se acuesta
como un peso muerto
Se deja caer y se desviste.
Dejá de escribir con la mente
me dice,
y me muestra
una revista porno que le regaló un amigo
No es una revista vulgar,
es pornografía estetizada,
y le agradezco al cielo tener un
amante tan sutil esta noche
Una mujer con ocho pijas en la cara,
nunca había visto
algo parecido,
pero ella es hermosa,
verdaderamente hermosa,
y parece muy segura de lo que hace.
Hacemos el amor y conversamos.
Estoy exhausta de tanto hablar,
las letras se mezclan con cualquier cosa,
se me pierde la mente y la garganta.
Gonzalo habla sobre la playa.
La playa es su lugar preferido,
quiere morir en la playa,
quiere dejar todo e irse a una isla desierta.
Yo,
no puedo parar de mirar
las puertas del placard.
Va de pared a pared,
Adentro no hay nada.
Qué lindo placard,
le digo,
y qué bien decorada
está tu casa.
Y al escuchar esto me abraza
con tanta pasión
y me da millones de besos
los mejores besos que he recibido
los besos que estaba esperando
hace
millones de años.
/
Gonçalo
Cecília Pavón
Nem em um milhão de anos
Volto a escrever entre drogados, mas
sem me drogar.
Junto a Gonçalo, vestido de jeans
tomou drogas para cavalos, me pede que
o acompanhe para falar no telefone
(com o hospital?) está enjoado, tadinho
parece um pobre anjo ferido,
um pobre animal desamparado.
Por que você tomou isso, Gonçalo?
Para provar, só para provar.
Estamos num shopping,
somos amigos do dono,
está fechado porque já é madrugada
e está rolando uma festa.
Caminhamos por este lugar tão grande
cheio de glamour, luxo, sofisticação.
O piso de parquê brilha.
Quando chegamos a sua casa se deita
como um peso morto
Se deixa cair e se desveste.
Para de escrever com a mente
me diz,
e me mostra
uma revista pornô que ganhou de um amigo
Não é uma revista vulgar,
é pornografia estetizada,
e agradeço aos céus por ter um
amante tão sutil esta noite
Uma mulher com oito rolas na cara,
nunca havia visto
nada parecido,
mas ela é bonita,
verdadeiramente bonita,
e parece muito segura do que faz.
Fazemos amor e conversamos.
Estou exausta de tanto falar,
as letras se misturam com qualquer coisa,
a mente e a garganta se perdem.
Gonçalo fala sobre a praia.
A praia é seu lugar preferido,
quer morrer na praia,
quer largar tudo e partir pra uma ilha deserta.
Eu,
não consigo parar de olhar
as portas do armário.
Vai de parede a parede,
Dentro não há nada.
Que lindo armário,
digo-lhe,
e como está bem decorada
a tua casa.
E ao escutar isso me abraça
com tanta paixão
e me dá milhões de beijos
os melhores beijos que já recebi
os beijos que estava esperando
faz
milhões de anos.
*
Sólo para decirlo
Idea Vilariño
Qué hijos de uma tal por cual
qué bestias
cómo decirlo de otro modo
cómo
qué dedo acusador es suficiente
qué anatema
qué llanto
qué palabra que no sea un insulto
serviría
no para conmoverlos
ni para convencerlos
ni para detenerlos.
Sólo para decirlo.
/
Só para dizer
Idea Vilariño
Que filhos de uma isso ou aquilo
que bestas
como dizê-lo de outro modo
como
que dedo acusador é suficiente
que anátema
que pranto
que palavra que não seja um insulto
serviria
não para comovê-los
nem para convencê-los
nem para detê-los.
Só para dizer.