“Carnaval” – um conto de Wuldson Marcelo
Carnaval é o conto de abertura do livro Obscuro-shi: contos e desencontros em qualquer cidade, de Wuldson Marcelo, lançado em 2016, pela editora mato-grossense Carlini e Caniato.
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Carnaval
Era meio-dia. Quarta-feira de cinzas. Fim da maior festa brasileira. Eu, filho de Oxóssi, em estado de embriaguez. Um homem armado clama por vingança. Uma fuga desesperada de um bar. Uma saída estratégica? Ou a marca de um covarde? Corpos como obstáculos. Corrida pela calçada. Um atropelamento. Há um crânio rachado tornando-se parte do asfalto. Alvoroço, desespero, sirenes e sangue. Uma jovem nikkei chora sobre o corpo do morto.
Segunda-feira. Oito da manhã. Eu demitido em pleno feriado. Desempregado. Sem dinheiro no banco. Um homem, chamado Jorjão, cercando a Ivete. Ela, um caso meu de anos. Janela do quarto aberta. Uísque de segunda categoria. Um beijo. Uma transa às onze da manhã. Uma revelação. Eu entrei para o clube dos cornos. Na mente, a raiva e o constrangimento. Boca salivando por um copo de cachaça. E as mãos queimando por um revólver.
Segunda-feira. Quatro da tarde. Eu em completo estado de esquecimento. Minha filha deixada na matinê. Uma mãe furiosa. Uma ex-mulher com raiva. Um telefonema. Uma ameaça. “Nunca mais verá sua filha!”. Um bar aberto. Sentimental demais. Dezessete garrafas de cerveja. Conta pendurada. Uma prostituta ao lado. Samurai girl. Motel barato. Êxtase na madrugada. Lençol manchado de sêmen para desafiar o mundo.
Terça-feira. Oito da noite. Uma lembrança parcial da noite anterior. Uma deusa asiática fazendo origami. Uma borboleta de guardanapo. Beleza sem fim. Um homem alucinado. Alegação de roubo de propriedade. “Devolve minha gueixa de luxo, seu filho da puta!”. Assassinato de um cafetão. Gritos. Fuga. Um sorriso em forma de sol nascente. Uma sentença de morte na noite suja. Chuva que não lava a alma. Desfile das escolas de samba. Euforia.
Quarta-feira. Onze da manhã. Filha avistada à distância. Sissi, a deusa ex-prostituta. Eu, embriagado, já esqueci a Ivete. Brincadeiras sobre a situação. Sissi vai ao banheiro. A aproximação de um homem. “Vim pegar você, seu desgraçado. O cara era como meu irmão, entendeu? Só Deus perdoa”. O povo do bar grita. Eu corro. Medo. Meio-dia. O olhar de pavor de uma nikkei. Um atropelamento. Fim do carnaval. Cinco da tarde, minha escola campeã.
(Ilustração retratando o Aomori Nebuta Matsuri, um festival de verão japonês que acontece em Aomori, no início de agosto).