“Carne” (2018) – Por Aline Wendpap
Carne. Direção: Mariana Jaspe. País de Origem: Brasil, 2018.
Carne é um curta de ficção carioca, que parte de uma discussão entre o casal de protagonistas negros, interpretados por Jeniffer Dias e Dan Ferreira, a respeito da insatisfação da garota quanto a ser apenas um pedaço de carne, pronto para o sexo.
Na cena inicial, os dois estão dentro de uma piscina, numa casa que aparenta ser de classe média alta, o que tira o filme de um lugar comum, ou seja, não mostra negros numa região ou situação periférica. Mas sim, protagonistas e bem-sucedidos, ainda que questões, como a de gênero e de raça continuem sendo pedras no caminho.
A produção dirigida por Mariana Jaspe é seu trabalho de estreia e já mostra seu bom desempenho na função. Por exemplo, a sequência de abertura é empolgante, pelos bons e inusitados enquadramentos, contando inclusive com imagens aquáticas, pela luz com tom azulado, pela fotografia, pelo desenho de som e, até mesmo, pelo tempo do silêncio inicial.
O roteiro também surpreende, pelo rumo inesperado da trama, que começa despretensiosamente, num tom leve que poderia desaguar em um romance, ainda que bem politizado, pelo tom dos diálogos, que contém pontuações sobre gênero e raça bastante reflexivos. Aliás, o trabalho dos atores é um dos pontos altos do curta, pois, vemos em tela um ato político, com uma mulher empoderada e linda, que não se deixa ser apenas carne e um jovem negro que segue o padrão boizinho em busca de curtição.
O filme desliza, em na minha opinião, na caracterização da criança macabra/entidade, Àmân, que conduz a moça para a floresta. Apesar deste ser o ponto de virada do filme, a guinada é um tanto quanto brusca e talvez até tosca, na medida em que, o filme flertava bem com o suspense, prenunciado pelos sons ouvidos pela garota durante seu diálogo com o rapaz na piscina. No entanto, quando Àmân aparece e a câmera se aproxima vemos uma criança de pijamas e pantufas, com uma maquiagem esquisita e unhas postiças muito estranhas, que talvez seja o que dá mais medo, porém as pérolas no rosto não convencem e fazem com que o filme descambe para o trash. Todavia, como isso não parece ser assumido completamente pela direção (por toda a lição moral contida), o espectador pode ficar perdido, sem saber exatamente qual a intenção da produção com isso.
Ainda que tenha alguns tropeços este é um filme que vale a pena ser visto, comentado e debatido, porque traz em si várias situações e problematizações pertinentes não apenas ao fazer cinematográfico brasileiro, mas sobretudo à cultura e à sociedade contemporânea, onde infelizmente, como diria Elza Soares, “a carne mais barata do mercado é carne negra”.
* Texto escrito a partir da programação (mostra competitiva) da 3ª Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, em Cuiabá (MT), ocorrida no período de 09 a 11 de novembro de 2018.
** Aline Wendpap é doutora em Estudos de cultura contemporânea, crítica de cinema, mãe do Emanuel e apaixonada pelas artes.