Cartas ao Mar – Por Maria Jeocastra – Coluna Sob o sol das Escrevivências
Os poemas foram escritos à base de saudade, desejo, amor e mais alguns sentimentos incompreendidos. Não é uma leitura fácil, mas vai te tocar e talvez você se perca na fluidez das sensações que pode te trazer.
Poderia ser meu mar, mas você nunca foi meu
E assim como você nem o mar será
Vou te dar um mapa para ler este corpo negro
Talvez você precise de um
I
Escrevo
E quando escrevo, mergulho
Neste mergulho me afogo Mas quando me afogo, te vejo
Não quero voltar à superfície
II
Meu querido João
Perdoe-me por aplicar em você
Aquilo você não merecia
Não posso ficar e satisfazer sua vontade
Nossa vontade
A angústia causada pelo enigma que seu olhar carrega
Não me dói, me intriga
Ando em círculos observando os olhares de cada um
E enxergando as almas de cada um
Não consigo me esquecer de que não consigo ver a sua
Realmente não consigo
Perdoe-me por inundar sua vida
Com a imensidão da minha alma
E a profundidade das palavras que prometeram transbordar
Transbordam transparências
Meu querido João
Eu estou acostumada
Acostumada a colecionar decepções
Queria coletar as incontáveis vezes
Em que olhei nos seus olhos e nada vi
Nem sequer o nada lá estava
Nem você lá estava
Não é?
E tudo esteve bem enquanto você não estava
Enquanto copiava o oceano com palavras
Tua cabeça é o mar
É o oceano
E eu não sei nadar
Nunca sequer tentei, com você
Prefiro afundar contigo num movimento de imersão sem volta,
mas isso não posso querer
Nem devo fazer
III
Escrevo cartas para tentar
Tentar me lembrar de você
Minto
Escrevo-as para tentar
Tentar te esquecer,
mas escrevê-las torna tudo tão real
E inegável
É inegável
Tudo aquilo que tento incessantemente esconder
E neguei muito
Foi tanto que meus lábios cansaram de dizer
Mentiras
Mentiras que eu sempre detestei
E detesto perceber que as vezes me rendo
IV
Lembro-me de dedilhar teu corpo
Passeando por cada curva
Passeando por cada detalhe deste romance
Em pausa
Agora penso em esquecer
Os sorrisos, os toques, os beijos, os abraços
O aconchego
E tudo aquilo que eu desejei sentir antes
Esses sentimentos
Estão sempre jorrando
Se não em mim, em ti
Transbordam e tornam-se incontroláveis
É quase como uma abstinência
V
Fico pensando
E odeio contar que penso tanto, em primeira pessoa,
mas ainda assim faço
Penso o quão controverso é dizer que não temos nada
Enquanto sentimos muito
E sabemos que sentimos
Penso tanto em manter o equilíbrio
Que acabo perdendo a graça das sensações
As sensações que a queda traz
VI
Pensar sobre o futuro costumava deixar-me esperançosa,
mas o futuro antes distante que agora aproxima-se parece insuficiente
Parece não corresponder às minhas expectativas
E eu, eu não quero aceitar menos
Acabei me dando conta de coisas que eu preferia não perceber
A verdade me liberta, mas eu preferia estar presa a você
Para que você estivesse preso a mim
Por querer
E eu quis viver contigo, mas preferi te deixar ir
Sobre a autora: Maria Jeocastra tem 20 anos e é uma mulher preta moradora do município de Santo Estevão. Estudante do curso de letras com inglês na Universidade Estadual de Feira de Santana desde 2018, Maria começou a descobrir cada vez mais seu amor pela escrita. Autora de poemas como Tu (2020), Se eu pudesse (2022) e Vazio (2022), Maria usa a escrita como uma forma de expressar a profundidade do oceano de sensações que perpassam por ela nessa confusa jornada da vida.
Sobre a coluna:
A coluna “Sob o sol das escrevivências” – alicerçada na genialidade desse conceito, cunhado por Conceição Evaristo – busca contribuir com a democratização ao acesso e a publicação de autores que são invisibilizados pela elitização da literatura, questionando sobre “O que é ser poeta e escritor?” e “Quem pode ser poeta e escritor?”. Deste modo, em nossa coluna serão publicadas pessoas que com suas escrevivências entregam ao mundo seus textos e poesias potentes. Até porque a sociedade capitalista que vivemos preza e valoriza o ter. O ter financeiro, o ter do status, o ter dos títulos. Já nós, enaltecemos o “escrever (que não se restringe apenas a linguagem escrita), o “viver” e o “se ver”. Por isso, aqui serão publicados escritores e poetas da Bahia que SÃO: são potentes, são arte, são literatura, são poesia e sobretudo são as suas escrevivências, existindo e resistindo no mundo e ao elitismo literário.
Sobre o colunista:
Rafael Bessa é um jovem negro, santo-estevense que iniciou sua trajetória no mundo em 1997. Pesquisador e Futuro professor de Geografia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Rafael, no final de sua adolescência, encontrou na poesia uma forma de existir e experienciar o mundo. Mas foi nos anos iniciais da sua vida universitária que sua relação com a poesia se intensificou. Em 2018, com amigos, fundou o grupo “Válvula poética”, o qual promoveu algumas intervenções artísticas e o incentivo à escrita como válvula do mundo e para o mundo. Em 2021 e 2022, teve algumas poesias publicadas na revista Ruído Manifesto. Participou da Festa Literária de Santo Estêvão – FLISE 2ª edição (2021) como um dos escritores presente na antologia “Cartografias Poéticas: A joia do Paraguaçu em cena”, e foi o responsável por desenvolver a cartografia poética digital e interativa. É um dos fundadores e organizadores do movimento cultural “Sarau na Praça”. Atualmente tem a poesia, também, como meio de resistência, denúncia e disseminação da geografia com uma escrita geopoética.