Cinco poemas de Bárbara Buril
Bárbara Buril nasceu em 1991, no Recife, em Pernambuco. É doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Publicou ensaios, artigos e críticas em veículos especializados e de maior alcance de público. Atualmente, é estrategista na Animal Think Tank, uma organização que está lançando as bases de um movimento social pela liberdade animal no Reino Unido, onde reside. O seu livro de estreia, “Conversão”, será em breve lançado pela Urutau.
***
BISHOP
Pelo caminho
deixamos muitas coisas:
um ou dois apartamentos mais ou menos próprios,
um gato morto,
outro vivo, muito bonito,
emprestado aos avós dele,
como licença sem vencimento:
nunca mais o veremos,
unca mais voltaremos.
Duas cidades muito bonitas,
uma, pelas gentes
outra, pelas paisagens.
Muitas histórias
deixamos para trás também.
(É assim, aliás,
que, devagarinho,
como se não fosse para sempre,
largamos um continente.)
Movemos
e saímos dos lugares
como fugitivos,
sempre às pressas,
algumas roupas doadas
alguns livros jogados no lixo —
aliás, as mudanças nos lembram
como as coisas são mesmo inúteis.
(Também abandonamos,
finalmente,
as meias sem pares.)
Foi assim que aprendemos, então,
a arrastar bem as malas:
nossa grande competência.
Esta habilidade de mover
virou nosso patrimônio,
junto com lacrar caixas,
esvaziar armários, devastar
estantes,
deixar pó,
primeiro no cantinho,
como se fosse invisível,
depois, para ficar mais fácil,
no centro, na lateral,
por todos os lugares.
Deixadores de pó como profissão —
essa é a nossa lida.
O mais difícil de deixar,
no entanto, é este laço,
este amparo que parecia só enfeite
esta coisa grande, imensa e muda
mas cheia de presença:
esse volume,
eu trouxe na mala.
(Eu não disse,
mas eu também sou especialista
em carregar gentes.)
*
DIALOGUES I
are you italian?
you look italian
or spanish,
maybe brazilian?
oh, you’re brazilian:
“moito obrrrrigádo!”
— is it like that?
“moito boum!”
i had a brazilian girlfriend,
that’s why I speak
some brazilian portuguese.
“nósha, nósha, ashim voshê me máta”,
i also love brazilian music
i’ve visited rrío de jjjaneirrro
and a little bit of fórrrrtalêzza,
i really love caipirrrinha.
your country is beautiful.
i also love brazilian people.
when you talk
it feels like a vacation.
*
DIALOGUES II
tu es suisse?
oh, brésilienne!
(regarde des pieds
aux derniers cheveux)
est-ce que vous connaissez
le zouk?
non?
oui, c’est vrai
on pense que toutes les brésiliennes
dansent
ce n’est pas le cas,
oui…
(regarde des pieds
aux derniers cheveux)
mais le zouk, la danse
vient de la kizomba
cst-ce que ça vous rappelle
quelque chose?
j’adore danser le zouk
et aussi la kizomba
(regarde des pieds
aux derniers cheveux)
est-ce que vous allez à zurique?
il y aura un congrès de zouk
et aussi de kizomba
au cas où…
(regarde des pieds
aux derniers cheveux)
je peux vous montrer
si vous voulez, bien sûr,
la danse, le zouk,
la kizomba…
ils sont des rythmes
super brésiliens.
*
CONVERSÃO
dez reais são dois francos
não, dez reais são um franco
e cinquenta centavos
de franco
há dias em que dez reais não valem
meio franco
um chiclete Valda
meia caixinha de Ricola
dez minutos de trabalho
meio quadradinho do açúcar do café
dado gratuitamente
dez reais são três baguetes brasileiros
uma migalha de pão suíço
meio baguete francês
dez sementes de gergelim norueguês
dez reais são o espaço de tempo entre
bater o cartão e lavar as mãos
dez reais são dez fracos
juntos de dez francos
(há dias em que o real
não vale a realidade
fora da realidade)
dez reais são mais
do que parecem
ao atravessarem fronteiras:
uma planta bonita
e grande do mercado,
o melhor melado da região,
uma garrafa de cachaça
— tudo original
*
FUNDO DE TUDO
Ficou no Oceano Atlântico
o que era para ter sido dito —
eu vomitei no caminho
para ficar mais leve.
Quando a gente atravessa mares,
se a gente não vira um navio,
a gente vira uma página
(a gente pode também fechar um livro).
O blackout só se dá na vigília
porque danação:
o livro volta de madrugada;
a página também, revivolta
o estômago na calada da noite.
Acordo com um leve cheiro de vômito.
Achei que tinha deixado no Oceano Atlântico
a frase não dita, endemoniada.
Dorme de dia e acorda à noite
a minha amiga sonâmbula.
“Vá ficar com os peixes abandonados,
minha amiga”, eu digo.
“Não os da costa, não,
oceano profundo, meio de tudo.
Vá de volta para a desova
das frases não ditas.