Cinco poemas de Carol Dia
Fogo que acendeu em terra baiana do Sertão da Ressaca e crescendo avuou pelo ar pra se encontrar água. Carol Dia é artista multi(in)disciplinar da palavra, andarilha, performeira, poeta, editora, artesã, consultora em escrita e produtora cultural. É mestra pelo Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da UFBA (Universidade Federal da Bahia), com a pesquisa em escrita performativa “Subterrânea”. Publicou o livro artesanal “Poesias Subterrâneas” em 2021 de maneira independente.
Instagram @estarsol
E-mail diasdecarol@gmail.com
Crédito da foto: Gil Zommer
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ORAÇÃO1
Rezei por sabedoria e coragem
Reguei a terra seca todas as manhãs
Rasguei o peito
Em busca de respostas
Chorei as lágrimas de olhos passados
Que tiveram que negar sua identidade
Herança colonial
Nos fez morenas
Pardas
Mulatas
Degeneradas pelas violências dos brancos
Envenenadas foram as águas do nosso rio
Sangue e memória
Corpos e terras
Que carregam as marcas das profanações aos nossos territórios ancestrais
1 Poesia publicada originalmente no livro artesanal “Poesias Subterrâneas” (2021).
*
o fragmento só existe depois de espatifar-se no chão
depois da quebra da queda do desabar desabafar
o fragmento só existe depois de um dia ter sido inteiro
nessa andança alumiada pela luz do candieiro antes ser forasteiro que ser esquecido
o fragmento só existe no quase no entre na sina de ser remendado
antes ser retirante que ser apagado antes ser andarilho
que ficar arrependido
antes ser fragmento que em vão viver perdido2
2 Poesia publicada originalmente no livro artesanal “Poesias Subterrâneas” (2021).
*
FLOR (É) SER
Esta Flor
Esta floresta
Esta flor
É o que resta
do verão
Passou num raio
Uma tempestade
Um furacão
A flor aprendeu a tremer com o vento
Estremecer como trovão
Esta Flor grita
Esta floresta chora
Querem arrancar a flor da terra
Para que seja apenas
bela
Essa ganância
A que se presta?
Por mais que eu queira
Não posso adiar
Vida ligeira
Vaidade passageira
É a floresta que se vingará
*
RECADO
O olho na asa da borbuleta
O canto das cigarras
no entardecer
violeta nuvem
terra preta
o olho no ventre
o V da vida
e
n
t
o
O sussurro no ouvido atento
Sinto
e o ar que respiro
continuamente gera movimento dentro
E como uma borbuleta
me senti
E vuei vuei vuei
E como se de um casulo
me saí
E vuei vuei vuei
E como água do rio
Vi
O olho na asa da borbuleta…
*
VAZÃO
Vim te ver, rio
Ouvir teu soneto
Que carrega meu medo
Pras profundezas
Invisível
Insondável
…
Me enche dessa força de água
No seu espelho tremulante quero ser também água
…
Encontrei-te, rio
E no seu encontro aprecio a beleza da efemeridade Vazão forte
Onde só a margem é fixa
Tudo o mais é transitório
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