Cinco poemas de Cau Ferreira
José Claudio Ferreira da Silva (Cau Ferreira) tem 37 anos, é professor de História da Prefeitura de São Paulo (SME -SP) e da rede pública estadual de São Paulo. Possui formação em História pela UNIFAI, pós-graduação em História, Sociedade e Cultura pela PUC-SP e, atualmente, cursa Pedagogia. Tomando as palavras por livramento, escreve seus versos partidos para se salvar da realidade e de si mesmo. A publicação do seu primeiro livro de poemas é um projeto futuro.
Instagram: @versopartido
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. cidade e classe
cabeça, barulho, cedo
na cidade-silêncio com medo.
acorda o segredo gritado
nas faces nuas,
de todos e de um lado.
castrados os passos,
os olhos, as bocas,
o toque das mãos.
pessoas lêem Pessoa,
reféns mudas em cárcere,
crivadas de desespero.
cantam nas janelas orações,
consolam almas cativas desde antes.
vidas-números sobrevivem
ao preço do avanço capital.
pessoas correm
agora que a vida é crua.
choram e limpam
pra amenizar as dores dos dias,
no dentro calado e vil
da indiferença
lustrada na superfície cara
de empresas e casas abastadas.
esperam as flores morrerem no asfalto:
feias, disformes, fedidas
desfalecidas e fatigadas,
enraizadas no concreto do caos.
contudo, todas elas
em cada pétala
resistem.
*
.como se deus fosse azul
a noite enorme
teu azul não dorme.
escreve com o peso da vida inteira
sobre farelos do amor intruso
de cara iluminada e cínica.
os olhos gritam
e o desejo-víscera cintila,
afunda palavras sinuosas
reveladas ante o espelho
no horizonte agudo dos seios.
sentir não é escolha.
e a tinta na pena borra a razão
quando o não é afirmado com desprezo.
num contradito
teu negar é zelo.
revela a cor de seus versos.
qualquer migalha de letra,
pedaço de frase,
um verso costurado de improviso,
um laço pensado em equívoco.
aceito.
teu verbo não passa sem florescer
e dar cor ao que é pálido.
sopra a poesia do teu hálito
aqui
em cada caco
que espero.
*
. do futuro
meus dias de felicidade
caberiam facilmente em teus dias.
nas tuas risadas de rubor e deboche.
dados aos pratos e copos
muitas e muitas vezes,
perdidos em trajetos porosos,
redefinindo o acaso
em uma amizade que beije.
não há chão para amor assim,
nem véu pra que do mundo esconda.
quatro bares, oito ruas, doze janelas,
todas as varandas do absurdo.
um peito partido acarinhado.
um beijo sincero ao alcance da promessa.
todos os ventos trabalham.
juntam, espalham
e deliram.
*
.imparável
queria te escrever
um buquê de palavras que gosta
pra plantar em tua porta,
romper a madrugada,
ser resposta.
nesse jogo
claro-azul-enigma,
letra aglutina em sílabas
gemidas,
partícipes, futuras,
de espera perversa, insegura.
nele, sempre perco
a hora, o caminho,
tua agulha.
apesar das escolhas
e apostas
cedeste a essa língua,
que entra e indaga,
o peso do teu verso
insensato,
perigoso.
e todo retalho juntado
em palavra tua
flutua
como um abraço
quente, indecente,
imparável
*
.sem chão
te despir era como abrir um presente, toda vez.
a boca
e tudo que ela diz e beija
planta segredos na areia
do que era paz
essa boca, senhor
é a oração que eu te faço.
quero os lábios,
a língua,
os dentes.
um amoroso deslizar
do pescoço em vertigem
pra beber do teu poço
perene:
a paz infinita no meu chão.