Cinco poemas de Fedosy Santaella, com curadoria e tradução de Gladys Mendía
Fedosy Santaella (Puerto Cabello, 1970). Narrador, poeta, professor universitário. Publicou tanto contos como romances com editoras como Alfaguara e Ediciones B na Venezuela, com Norma no México e na Espanha com Pre-Textos e Editorial Milenio. Em 2009, foi bolsista do programa internacional de escrita da Universidade de Iowa. Em 2010, ficou entre os dez finalistas do Prêmio Cosecha Eñe da Espanha. Em 2013, venceu o concurso de contos do jornal “El Nacional” (Venezuela). No mesmo ano, ficou entre os nove finalistas do prêmio de romance Herralde. Em 2016, foi laureado com o Prêmio Internacional de Romance Curto Cidade de Barbastro. Também publicou treis livros de poesia: Tatuajes criminales rusos (2018), El barco invisible (2020), com Oscar Todtmann editores e Daemon (LP5 Editora, 2022). Em 2021, lançou o romance Hopper y el fin del mundo com a Editorial Milenio.
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Não Volta Igual
Sou Capricórnio, e eles florescem tarde.
Marianne Faithfull
Degolada,
a voz rouca,
em transe,
com grito selvagem
o ventre inferior.
Fazia você acreditar
que sairia ileso,
que ela mesma
ficaria a salvo.
Mas nos olhos
o perigo dela,
de manancial
o pedido de uma menina,
de brasa ardente,
os desejos.
Era inocente,
e matava.
Queria morrer, retornar,
trouxe a si mesma
dos infernos.
Agora fuma,
observa em silêncio,
sorri, volta a fumar
e diz, Este é o meu show.
Não se volta igual
das ressurreições.
*
Um Homem Elegante
Deus respira completamente através de nós.
John Coltrane
Deus e suas salinas ardentes,
o de todas as guerras,
a sede das espirais,
a água das fogueiras.
Deus, o exterminador,
a boca que lentamente
mastiga e lambe seu rosto,
cão gigante das cruzadas.
Deus que apenas te vê dormir.
E morrer. E cala.
Deus que não é fácil.
Deus que te leva a Deus.
Esta elegância crepuscular,
dor surda, suave mentira
após tanta verdade.
Deus, finalmente,
o Deus
que você esperava.
*
I Want To be Evil
O preço que pagamos por ser fiéis
a nós mesmos, vale a pena.
Eartha Kitt
Má, queria ser má,
fugir com sangue e pele nas unhas,
capturando luzes no ar.
Má, gata má. Ir em direção aos olhares
furtivamente, acariciando móveis,
paredes, costas, lambendo-se
com sua língua de serpente de água.
Ser perigosa, uma pradaria de leoas.
De seus amantes colecionar costelas.
Vomitar algodão, cuspir tachinhas,
urinar nos cantos, andar nua,
toda dona de seu corpo,
ela livre, ela má.
*
Totalmente lá
Porque a eternidade não é do homem,
mas do momento.
Porque você esquecerá,
ou talvez nunca soube
e a deixou ir.
Porque o Major Tom realmente estava lá,
quero dizer, totalmente lá,
e então ele foi livre
e se afastou de nós,
com todo o direito.
Porque,
como diz o poeta,
a beleza não é um lugar
onde os covardes vão.
E todo coração é fraco,
e toda esperança é abandono.
E estar totalmente lá
talvez seja apenas uma ilusão
na tela da televisão,
com David Bowie
totalmente lá,
ele sim,
em uma apresentação da BBC em 1969.
Eu ainda não havia nascido.
Eu ainda não havia morrido.
*
O mundo não pode ir tão longe
E nunca olharei para trás.
Sixto Rodríguez
Habitar a mesma casa,
desde sempre,
de cabeça erguida,
como esperando
que um dia
batam à porta
e anunciem a você
que tudo foi um erro,
veja só,
que pena.
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* Gladys Mendía (Venezuela, 1975) é escritora e editora. Tradutora do português para o castelhano, contando entre seus trabalhos de tradução a antologia poética de Roberto Piva intitulada “A catedral da desordem” (2017). Foi bolsista da Fundação Neruda (2003 e 2017) e participou do Workshop de Criação Poética com Raúl Zurita (2006). Publicou em diversas revistas literárias, assim como em antologias, sendo a mais recente “Temporary Archives, Poems by women of Latin America”, ed. Juana Adcock e Jèssica Pujol Duran, ARC Publications, 2022, Reino Unido.
Seus livros são: “O tempo é a ferida que goteja” (2009); “O álcool dos estados intermediários” (2009); “A silenciosa desesperação do sonho” (2010); “A grita. Reescrita de As Moradas, de Teresa de Ávila” (2011); “Inquietantes deslocações do pulso” (2012); “O canto dos manguezais” (2018); “Telemática. Reflexões de uma adicta digital” (2021); “LUCES ALTAS luces de peligro” (2022) e seus mais recentes livros cocriados com Inteligência Artificial: “Fosforescência tigra”, “Aire” e “Memorias de árvores” (2023).
Ela é editora fundadora da Revista de Literatura y Artes LP5.cl e LP5 Editora, desde o ano de 2004. É cofundadora da Furia del Libro (Feira de editoras independentes, Chile). Como editora, desenvolveu mais de vinte e cinco coleções de poesia, narrativa, ensaio e audiovisuais, publicando mais de 500 autores.