Cinco poemas de Felipe Rodrigues
Felipe Rodrigues (@fe_fe_lipe) é poeta, professor e advogado, com três livros de poesia e diversos poemas em antologias publicados no Brasil e em outros países de língua portuguesa. Aos 31 anos, é formado em Direito pela Unesp, com mestrado pela mesma universidade. Atualmente realiza doutorado na USP — sua tese é sobre a obra poética e crítica de T. S. Eliot e interpretação jurídica. Sua obra mais recente é “A Forma do Fogo”, lançado pela Editora Patuá (104 pág.).
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o perseguissonho
Se tenho sonhos?
Não sei se os tenho ainda,
Mas sei que os tinha…
Se persigo meus sonhos?
Persigo, sim,
Perseguissonho de outras pessoas.
Mas não sei se são reais
– Esses sonhos e essas pessoas –
Porque eu mesmo não sonho
E não tenho nada de absolutamente tão claro
A viver e morrer por, a sonhar!
– Tenho sim objetivos:
Não sou preguiçoso, apenas não sou sonhador…
A vontade vacila, sempre.
Não consigo “Viver o presente…”
Nem uns sonhos próprios, inexistentes.
Mas gostaria de reencontrá-los
Assim, como por acaso,
E que me perdoassem…
Porque o perseguissonho persegue-me
Numa sensação de desperdício
Do tempo e da força que ainda me restam
Para viver e só viver,
Mas nada sonhar…
*
Em Breve
Em breve não precisaremos fingir.
Em breve não teremos deuses e adeuses
Não mais temos alma ou sonhos
E muitas coisas imensuráveis
[desaparecem para sempre da Terra
E as palavras perdem o sentido
[e o sentido não será restaurado
E a dor alheia não envergonha
E a verdade e a bondade são fraquezas
E a máquina e o humano se confundem
[até que, por fim, se invertem
E os sentimentos de que os poetas diziam
[são insensíveis…
Em breve aboliram o tempo:
Atualizaram o futuro para nunca mais!
Somos apertados no tempo, por todos os lados…
Pobres provincianos, provincianos do tempo!
Em breve não haverá em breve
Sendo a vida instantânea o toque estranhado
[e logo esquecido
Estranha e familiar,
Impiedosa e inevitável como a luz que nos oprime…
Mas em breve, amigos,
Não precisaremos fingir que importa!
Em breve, em breve,
Meus já futuros ex-reconhecíveis…
Não precisamos fingir:
Não dói mais.
*
Necrológio da Sensibilidade
À minha sensibilidade,
Adeus!
À minha inteligência,
Ao meu eu-criança singular e futuro,
cheio de vida, curiosidade e talento,
À minha capacidade de me afeiçoar
a alguma coisa, a alguém, a mim mesmo!
(Nem lembro da última vez…)
Adeus! Adeus! Para sempre adeus!
Se posso trocar de personalidade, causas,
Gêneros de todo gênero,
Nome, assunto, falsidades sinceras, posições, CPF
A qualquer hora! Quando EU quiser!
(Ah! Novos filtros!)
E o dinheiro no banco,
Meu DNA, minhas dores nas costas?
Cadê a tão sonhada establidade emocional?
Troco atenção.
Ofendido ofenderei em dobro.
O que quero? Um meme.
O que sei? Um meme.
Inspiração? Um meme.
Um sonho? Esqueci…
E por que algo tão inútil, a poesia,
Sobre a natimorta, a vergonhosa sensibilidade?
Como deixamos que elas morressem?
Por quê?
Pelo quê?
(Silêncio sepulcral.)
Por que exististe? Se uma vez…
Por que desapareceste? Se para sempre!?
Que época para estar vivo!
Que época para tentar sentir e viver!
É mais fácil, tão fácil, não SENTIR!
É mais fácil, tão fácil, não SER!
Tudo foi destruído. (Disseram)
Mas nada construído
Até agora, em seu lugar…
Às vezes, quero brincar…
Às vezes, não quero
Nem fazer parte nem compartilhar
A vida (minha).
Às vezes, às vezes, preferiria…
(Fôlego.)
E o ócio tornou-se impossível!
A criação, impossível!
E a minha sensibilidade morreu!
Morreu!
(Mas não descansa em paz…)
Au revoir, au revoir!
je est un autre chose
Au au
au
(Alguém precisa olhar meu coração e dizer:
Parou.
Alguém, alguma coisa,
Precisa olhar as pessoas e dizer:
Morreram.)
*
Das Cinzas
Todos estão tristes,
Crianças e artistas também.
Ai, por que esse mundo insiste
Em não fazer bem?
Se tantas coisas lindas e sublimes
Quase nunca convêm?
Se o mundo é artificial
E a natureza, estranha,
Se a arte é fútil e irreconhecível!
Se os dias não têm gosto
E não parece ser possível
O que Jesus nos prometeu?
É preciso um novo regime
Para ser mais humano e livre
Onde a bondade, a beleza e a verdade
Imperem, e sejam o único fim
Como hoje são o egoísmo, a estupidez
Ou a paz de alma contra os muitos sofrimentos…
É preciso replantar as raízes
Das palavras e dos sentimentos:
Primeiro, em nós mesmos,
Guardá-las lá, bem no fundo, protegidas…
Gerando flores e frutos
Que depois iremos espalhar mundo afora…
Sim, morrerei de solidão!
(Quem não?)
E, talvez ainda vivo,
Dessas minhas cinzas poderão dizer:
“Elas já avivaram alguma coisa.
Não sei o quê ou quem. Mas não importa –
Eis uma espécie em extinção.”
*
O Quê? Quem?
O quê? Quem?
Provoca minha alma
Ansiosa?
Estremece meu corpo
Em transe?
Faz-me e desfaz-me
Quase sem tempo?
Desfazer uns nós
E quantos!
Estreitar uns laços
Quais?
Com quê? Com quem?
Não vês?
É tudo encruzilhada,
A solidão continua…
Olá, mundo velho!
Adeus, mundo novo!
Esperem!
Estou a me aprontar
Enquanto o tempo acontece…
Fantasia!?
Mistério!?
Salvação!?
Será eco ao meu coração?
O quê? Quem?