Cinco poemas de Fernanda Comenda
Fernanda Comenda é, em princípio, mariliense morando na cidade de São Paulo. Graduou-se em Letras com habilitação em Português pela USP, cursou o CLIPE Poesia de 2021, Curso de Livre de Preparação de Escritores da Casa das Rosas, e teve, recentemente, o original selecionado para publicação pela Urutau. Para além e com mais frequência, é professora de Português do último ano do Ensino Fundamental II. Talvez seja poeta também. Mas isso sabem os que a dizem.
***
I. é preciso começar pelo momento em que ela nasce
e tem por tamanho
não mais que a circunferência
entre polegar e dedo médio
II. a primeira surpresa
a partir do monte de vênus cresce
oposto
o diferencial da espécie
III. parece um mapa
mas também uma rodovia
um corpo remendado
um corpo remansado
parece a sua voz ressoando
entre as minhas digitais
IV. quatro caminhos
formariam uma encruzilhada
mas não aqui
aqui são bichos são tiranos
radiais
que se conectam por dentro
– mas isso você só vê
se olha por trás
V. uma planície
com a vida
pulsando dentro
os rios que descem dilatados
lembram que o desejo
não se mede
em milímetros de mercúrio
*
I.
a comenda é um título de
propriedade
oferecido a um comendador
é também distinção
concedida a eclesiásticos
e cavaleiros de ordens
militares
Uma Condecoração.
são as comendas
pedaços de terra mais
que colares no peito
de homens bravios
são mais que
medalhas
honras ou bens
juros ou dízimo
são pedaços também
redutos
urbanos
esconsos
trincheiras
de terra
II.
ficarás de pé
idiota
a esperar
III.
anseias pôr aqui
os pés imundos
meandros tesos
e tua cadeira
para sentar
falava manso num poema eu deixava
antes tocava a cor da terra seus grãos
tão mínimos e eu
deixava
ninguém pensou
sequer pedir
pra colocar
a merda oca
e empenada
de uma cadeira
no raio deste
defraudado
território
pois boas-vindas
a esta clareira:
no teu encalço
tem uma mina
*
o escuro é um exercício
I.
fechados os olhos
bem seladas as linhas d’água
ouve-se líquida
a voz paciente
o escuro é um exercício
abrir anestésico os olhos
ver a retina na frente
pulsante
saber a mão dentro
contínua
mantendo – dentro –
o breu aceso
II.
o escuro é um ofício
*
você ainda ouve esse zumbido?
ei
você ainda ouve esse zumbido?
o ás de copas zanza ainda pela via
desvestido em torvelinho a tez vazia
os olhos súditos na luz entre as valetas
tremeluzindo o aguaceiro, ele respinga
é de dar pena, você vê? a envergadura
– está confuso está zunindo e continua –
da voz que molha os teus ouvidos invertida
você não ouve o amor vingando a tua procura?
*
não dava pra ver um palmo à frente e apesar disso
I.
navegamos as últimas três estações à deriva
e agora
a lâmina das minhas unhas destece
tua córnea quebra a tensão
superficial do acrílico
de perto
aqui
vê-se longo o caminho do trinco conquistando
a membrana rígida
abrindo caminho
ao furto da lágrima
de perto
aqui
deitam muitos os vasos com sede
irrigando amansados
teus olhos
a nervura breve
do globo curvo
as últimas três estações navegamos à deriva
mas agora
aperto teus olhos sobre o trinco com os polegares
sabendo quase
o teu humor
derrama primeiro e gentil
o aquoso
como quem precisa saber melancólico por quê
como quem, entretanto
me perdoa
embaixo das unhas acumulam-se
pedaços da íris
e apesar de não sentir mais as pontas dos dedos
transpusemos eu sei
o cristalino
aperto os teus olhos sobre a ira com os polegares
antessentindo
o teu humor
febril e colérico resiste
o vítreo
paciente e míope
o tendão
confronta
e então
explodem penitentes
tsunâmicos
teus olhos
o corpo d’água escorre nos meus
braços avançando ao cotovelo
o corpo d’água emenda-se na manga
esvaziando as órbitas
de todo
o mundo
inteiro
de perto aqui
os buracos me lembram
de nunca tê-la visto
tão nua
quanto no dia em que eu disse
não tem tábua pra nós duas
II.
há três estações navegávamos à deriva
Felipe braga
“você não ouve o amor vingando a tua procura?”
Que lindo, fernanda! é poeta super talentosa!