Cinco poemas de Jaime D. Parra, com curadoria e tradução de Gladys Mendía
Jaime D. Parra. Poeta e ensaísta, nascido em Huércal-Overa. Doutor em Filologia pela Universidade de Barcelona, cidade onde reside, com uma tese sobre J. E. Cirlot. Interessado no mundo dos sonhos, simbologia, escrita experimental e poesia de mulheres. É autor de uma dúzia de livros e de vários textos em jornais e revistas. Seus ensaios notáveis incluem “A simbologia”, “O poeta e seus símbolos”, “Místicos e heterodoxos”, “Chaves de simbologia”, “Poéticas da origem”, “Poéticas do caos”, e suas antologias “As poetisas da busca”, “A outra poesia de Barcelona”, “Poesia in-versa”, “Poesia sob suspeita”, “Radical 3” (4 volumes). Como poeta, é autor de “Contrição sob os signos”, “Êxodo e outros poemas”, “A má zu lát: dominós”, “Rastros vazios”, “Wyoming”, “Sonhos” e outros livros, reunidos sob o título “Literatura não escrita” com “Papéis do deserto”. Coordena leituras poéticas de “Radical 3” na Llibreria de la Imatge e no Auditório de Calabria 66 (antiga ONCE), onde dá espaço a poetas de diferentes línguas e culturas, e colabora com a Livraria Animal Sospechoso, todos eles espaços em Barcelona.
Os poemas abaixo integram o livro “Wyoming”.
***
1
Wyoming, a luz no exílio,
derrama suas vértebras em um incêndio
enquanto queimam nossas pálpebras
com neve solar.
Agora cruza para as montanhas
onde tremem
suas sílabas de silêncio.
Em seu sonho, Wyoming.
(1, I)
***
Já te afastas para outra latitude
e te distancias da cinza
que mancha tua sombra longa de inexistente.
Já levas o melhor de teu riso
e te livras do veneno que te deram,
estátua quebrada do espírito.
E não te cansas de ti, nem de ti, nem de ti.
*
2
Wyoming, ela, a estrangeira,
figura exilada na penumbra,
apátrida da terra e da água,
exilada da chama e do som,
solitária,
vértice venerado de um triângulo místico.
Minha luz ia na tua luz
traçando os brilhos,
como os remorsos.
A dor é o inimitável
e deixa acento.
Na alegria não há tumba
nem dúvida nem onde.
(2, VI)
*
3
É noite
para a tua sombra.
E para a tua respiração.
E para os teus seios mornos.
E para a tua alma distante – de permanência -.
E para os teus desejos e pensamentos.
E para os teus sonhos.
E a luz não pode encontrar-te onde não estás.
É noite
e teu amido inflamado
salta sobre as águas
e busca o rizoma das rosas de lótus.
Sou tua viajante secreta.
Fui tua amante celeste.
(6, VIII)
*
4
Navegas?
Onde está tua barca?
É essa a cor: é mogno?
Só pode ser branca?
Vais em direção à nova luz do dia?
Navegas?
Onde está tua barca?
É esta a tua barca?
E à noite, para onde vais?
(8, I)
Cruzarás a noite na escuridão
onde as serpentes e os leões
ou os lobos se aproximam, apertam ou matam?
E atravessarás o abismo das águas?
Além das colinas, dos prados.
A vida além: fábula das musas.
Voltará?
Se disseres sim, acontecerá.
Se disseres não, não acontecerá.
(8, II)
*
5
Wyoming,
belo é após o frio inverno
a ressurreição da primavera,
o gesto das águas no degelo
e as antigas sementes que se prestam
ao crescimento.
As ervas ressurgem em caules tenros
da terra adormecida, a vida ressurge e novamente
tudo renasce, revive e floresce.
(8, III)
***
Que a vida se derrame na meseta.
Que todo o vale irradie luz.
Que o rio em seu fluxo umedeça as raízes das tílias
e revitalize as plantas de flores azuis.
Que o ar transporte sementes e aromas.
E que Wyoming não se sinta estranha
na terra estrangeira. (…)
(8, IV)
***
Que resplandeça e não seja pelos pássaros,
que preenchem o dia.
Que haja um odor e não seja pelas flores,
que brotam das plantas.
Que haja suavidade e não seja pelo toque
suave do ar.
Que haja fogo e não seja pelo fogo
que não existe.
Que haja beleza e não seja pelo espaço
vazio.
Ou és tu, Wyoming, e ouço teus passos?
(8, IX)
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* Gladys Mendía (Venezuela, 1975) é escritora e editora. Tradutora do português para o castelhano, contando entre seus trabalhos de tradução a antologia poética de Roberto Piva intitulada “A catedral da desordem” (2017). Foi bolsista da Fundação Neruda (2003 e 2017) e participou do Workshop de Criação Poética com Raúl Zurita (2006). Publicou em diversas revistas literárias, assim como em antologias, sendo a mais recente “Temporary Archives, Poems by women of Latin America”, ed. Juana Adcock e Jèssica Pujol Duran, ARC Publications, 2022, Reino Unido.
Seus livros são: “O tempo é a ferida que goteja” (2009); “O álcool dos estados intermediários” (2009); “A silenciosa desesperação do sonho” (2010); “A grita. Reescrita de As Moradas, de Teresa de Ávila” (2011); “Inquietantes deslocações do pulso” (2012); “O canto dos manguezais” (2018); “Telemática. Reflexões de uma adicta digital” (2021); “LUCES ALTAS luces de peligro” (2022) e seus mais recentes livros cocriados com Inteligência Artificial: “Fosforescência tigra”, “Aire” e “Memorias de árvores” (2023).
Ela é editora fundadora da Revista de Literatura y Artes LP5.cl e LP5 Editora, desde o ano de 2004. É cofundadora da Furia del Libro (Feira de editoras independentes, Chile). Como editora, desenvolveu mais de vinte e cinco coleções de poesia, narrativa, ensaio e audiovisuais, publicando mais de 500 autores.