Cinco poemas de Jardel Camelo
Jardel Camelo nasceu no Ceará em 1990 e migrou para a cidade do Rio de Janeiro no ano de 2010. Por lá iniciou os primeiros passos da vida artística e ao longo de pouco mais de uma década tornou-se ator, escritor e palhaço. A paixão pela literatura nasce na adolescência quando, aos dezesseis anos, vence um concurso de poesias realizado na escola (2006). Além do ebook Lume, editado e pulicado em parceria com o escritor e poeta Pedro Gontijo na plataforma literária Ate(e)mo-nos, Jardel também assina a autoria de Guardado Na Nuvem, romance de suspense realista publicado pela Folhas de Relva Edições – SP (2023).
***
Tentativa de poesia
Virou na ladeira o
caminhão das lâminas e
das tesouras que os
homens da cidadezinha
esperavam para poderem
se barbear. De longe pude
ver o automóvel tombado,
as rodas para cima,
exibindo uma barriga
metálica sem dignidade.
De quem foi a culpa?
Uma menina (sem os
dentes da frente) apontou
para a estrada – lá se está!
O irmão da menina fez que
não viu. Os pássaros,
voaram curiosos,
sob um sol inclemente.
O dia era sábado.
*
Poucas coisas
Poucas coisas restam em
minhas lembranças de tua
presença. Das mais
importantes destacam-se: o
amargo beijo de café dos
sábados e a lassidão das
manhãs de domingo.
Vislumbro o teu umbigo
desperto aos prazeres mais
íntimos e me surpreendo
com a ausência de tua pele
no reflexo do espelho.
Meus dedos, nervosos,
volta e meia ficam
tamborilando sobre o
tampo da mesa. Poucas
coisas restam de minha
presença em tua estrada.
Das mais importantes
destacam-se: o silêncio, a
distância e a interrupção.
*
Galope
Do rastro ao lume em
tempos de fome, da ponta
do cume ao lastro que
some – dois tempos, três
sóis e um relógio
quebrado. Sangrando no
pulso do amor mal-amado
a tua boca insensata
censura o meu ser. Este
amor não-amor reverbera
hirsuto e de asas crispadas
silente eu transmuto –
Nosso tempo, outra
história é o rio a correr.
*
Contact
Caminhando pela rua
Santa Cruz, avistei um
homem de trinta e poucos
anos recortando estrelas
em um papel adesivo
holográfico. Os olhos do
homem moviam-se
rapidamente ao passo que
seus lábios se apertavam
num rito de absoluta
concentração. A rua,
fuliginosa, estava apinhada
de carros e as pessoas que
por ali passavam não
deram fé daquele homem
como eu o fiz. Munido de
extrema curiosidade e
certo espanto, ousei me
aproximar, mas o homem
de trinta e poucos anos
levantou-se de súbito e
atendeu a uma ligação.
Sentindo-me
devastadoramente
interrompido, desviei os
olhos e fingi estar lendo
algo escrito em uma revista
na banca de jornal.
Naquele instante, os olhos
do homem de trinta e
poucos anos, que
anteriormente moviam-se
sem parar, tornaram-se
calmos como a represa de
um lago.
Sabe-se lá quem estava do
outro lado da linha, mas os
lábios do homem
deixaram-se de apertar
formando um tênue e
mínimo arco. O vento
repentino carregou as
bordas das estrelas que já
haviam sido recortadas, o
tempo passava lento feito
um caramujo indo para
lugar nenhum.
Então o homem de trinta e
poucos anos esboçou
algumas interjeições e após
finalizar a chamada, juntou
todos os objetos do
trabalho manual, entrou
num táxi e foi para algum
lugar ignorado. Depois de
ter visto aquilo, minha vida
nunca mais foi a mesma.
*
Lume
Estávamos deitados no teto
da casa, olhávamos as
estrelas daquele céu no
campo. Permanecíamos os
dois em silêncio, embora
muito ainda houvesse para
ser dito. Naquela hora eu
quis contar peripécias, mas
o repertório dramatúrgico se
fez escasso. Ele me indagou
sobre o mundo, quis saber
se eu objetivava conquistá-
lo, respondi que sim – havia
uma parte do mundo que
estava ali, diante dos meus
olhos. Depois disso, eu e ele
nos beijamos ao lume e
aquilo foi a melhor cena da
minha vida.