Cinco poemas de Kuma França
Eu, Kuma França, homem trans negro baiano filho de cajazeiras há 23 anos contrariando as estatísticas, (re)existindo através do ato de escrever e se imprimir num mundo que tenta te apagar. Sou a poesia que jamais caberá em versos!
***
Cuidado com poetas
Eu te avisei
É melhor não confiar em mim
Eu sou poeta
E como todo poeta não presta
Comigo… Não seria diferente
Nós, poetas, românticos por natureza
Bailamos com as palavras
E ouvimos o que ela diz
Não confie nos poetas
Ou corre um grande risco de ser feliz
Eu como poeta
Descobri ser traficante, sou um distribuidor de informação
E de pequenos furtos a grande roubos
Tomo a cena, roubo atenção
Com você me descobri inventor
A cada dia, uma nova versão
Querendo ser seu e ser bom
Mas…ainda bem que você sabe que não presto
Sou um poeta honesto
Deusas não são um mito
É possível dedicar o Orum
Falei de você outro dia
Que é na paz de Oxalá
Que se tem o segredo d’Oxum”
É que todo poeta é um pouco ladrão
E quando você menos espera….
Rouba teu coração.
*
Viciado e Contagioso
Eu queria tragar a fumaça
De tudo que a gente viveu
Mas o que eu trago comigo
“Março” nenhum vai dar conta
(Talvez retalhos de alguns fevereiros)
(Você virou fumaça)
Invade meu peito, e eu trago você
Trago o medo do escuro, o medo do futuro
Minha doença é ser versador
Tragando aquele velho dilema
Meu veneno, as palavras…
E tudo que eu toco
Ou vira poeta ou vira poema!
*
– E agora josé?
E agora José
José e agora
Sem teogonia
Sem parede branca pra se encostar
Sem cavalo pra fugir
Sem mulher pra encontrar
Quer ir pra Minas, mas minhas não há
Tem a chave e não tem porta
O que vai adiantar
Tenta morrer no mar
Mas o mar secou
Todo mundo foi embora
A festa já acabou
Não sabe nem morrer
Você é duro, você é burro
Você é forte é corvade
Sem coragem, bate com a cara no muro
Não tem mais pra gastar
Seu ouro já não serve
Sem ninguém pra dar bom dia
Um eu te amo
Um até breve
Gosta de zombaria
Não tem ninguém pra zombar
Gosta da romaria
Ninguém ora caminhar
Parece até loucura oq vou perguntar
Mas José que porra é essa
Quando cê vai parar?
*
Dias de sol e caos
Brasil
A cor que cê não gosta
Do jeito que cê não gosta
Com a música que cê não gosta
Com fratura exposta
A que toma tiro nas costas
Tá fazendo o mundo parar
Virando notícias do jeito que vocês não gosta
Mas façam suas apostas
Que o jogo vai começar
Tá sendo sem apoio, empurrando com a barriga
Se nós tá no mesmo barco, por que que eu não sinto a brisa
Romantizam a desgraça, pra gente ter que se orgulhar
Político não apoia o skate feminino
Mas quando o bagulho vira, menino
Quer dizer que sempre teve lá
Deus não da asa a cobra
Se desse os corações de bem tava lascado
Iam morrer envenenado
Achando que eu tá chuva
Os nomes de alguns caberiam feito luva
Mas como sou só um Zé ninguém
Não vou dá nome aos boi
Se não o gado vem depois aí querendo me caçar
Na minha rua passa boi, passa cão, passa boiada
Passa três, não passa dois
Se tentar, não passa é nada
Quem não é da Bahia não entendeu
Deve ter pensando “que besteira”
Mas eu sou de cajazeiras onde tudo tem propósito
Aqui nem tudo se fala, mas as falas na maioria são boas
Mas tem efeitos catastróficos
As vezes parece que isso aqui é só um game
Onde o morfeu e onil quer testar meu psicológico
Eu falo pra caramba as vezes até me embolo
Na madrugada eu choro, achando que não vou vencer
Na minha falar tem muito ódio
Eu quero um lugar no pódio
Mas no fim do dia é só paz quando eu encontro você
Também não vou falar seu nome pra não ficar em cheque
Pois Carolina é uma menina bem difícil de esquecer
*
Diga o nome deles
Memória
Verme asqueroso que me devora o interior
Ser que me consome
Me desintegra
Ser que me faz nú
Memória, respeite meus dias de frio!
Tá cada vez mais difícil
A visão tá cada vez mais embaçada
Sobreviver tem sido missão suicida
Vencer o dia, missão fracassada
Sem vida extra, sem ajuda vermelha
Sem pausa pro lanche
Sem manhas nem nada
É a polícia 5 estrela atrás de você
As cenas de violência saem sem cortes
Desde dos 5 conhece a morte
Aos 15 já tenta a sorte
Já na concepção é diferente
Desde o primeiro choro
Junto com o primeiro tapa, o aperto de mente
Os nossos saberes também diferentes
Por diferenças separam a gente
Quem é o menor, das crianças
Quem serão os bichos e gente
Quem terá direito a futuro
Quem é o fruto de acasos ou noites inconsequente
E aos planejados, os filhos do amor
Sinto muito pela dor
Foi abordagem de rotina
Foi em plena luz do dia
Mas a sua alta melanina cegou o agente
Troca de tiro, uma emboscada
Lugar errado
Hora errada
Mas como podia ser um erro
E lá se vai mais um João Pedro
Errado, tava dentro de casa
O Dudinha só foi correr
O João, foi jogar bola
Na segunda de manhã
Agatha ia pra escola
Meireles, ruan, Rodrigues, Tati
Fabi, Rafael, Manoel, Jaque
Letícia, Fabrício, Tatiele, Mariana
Sergio, Carlos, Tiaguinho, Andreza,Luciana
Gabriel, Vinícius, caíque, Marcelo, Bruninho
PC, bola, Leandro, Cassiano, Juninho
Elielson, Adalto, Tereza e o daí
O Eduardo tava feliz me disse,
“professor eu vou ser pai”
Mas não conheceu a filha
Não teve pra onde correr
Foi condenado a morte sob a pena de nascer
Isso deve ser piada
Algum tipo de jogral
( Para com a brincadeira que eu já tô passando mal)
Brincadeira é morrer e não descansar em paz
Além da dor a família tem que prova que um menino de 7 anos
Não devia porra nenhuma e que já era um bom rapaz
Que a camisa era da escola o time era maternal
Essa noite não tem ceia
Eles devem ser o Grinch, acabaram com o natal
O coelho da páscoa pediu demissão, quem assumiu foram os porcos
Que faz surpresa na favela, aí dá vários chocolates
Não é sexta feira 13, mas é noite do abate
Vira lata viram Pitbull,
Cão aqui já nasce mordendo muitos já nem late
Jamais vou passar pano
Homens falem eu te amo
Eu sei que é foda abaixar a guardar
Quando se é condenado ao combate
O par ou impa na infância
Já era treinamento para te tornar capaz
O polícia e ladrão aqui ficou real demais
Era só um pega pega
Dom virou dono da rua
Com minhoca na cabeça virou um escravo de Jó
Fez uns aviãozinho, piadas do Joãozinho
E de 7 em 7 pedrinha descobriu o dinheiro fácil
A história é de dá dó
Se iludiu queria ser rei, fazer da mãe uma rainha
E decidiu não vou ser mais pobre pobre pobre de Marré de si
Mas foi traído pelo bonde, mudou o jogo
Pique esconde
O anel que ele queria entrou na loja e pegou
O amor que ele não tinha, era pouco e acabou
Inteligente pra caralho, tudo pra ser um doutor
Mas virou um nome pra mostrar, que a história só começou
Não deixe que ela morra
Sempre conte sua versão
Então…diga o nome deles (Todes eles)
Por vingança ou redenção
*
A maldição do poeta
Na minha concepção
Todo poeta é um imortal
Amaldiçoado pelo dom de morrer…
Pra mim toda rima é fatal
Nas mãos daquele que não sabe (escrever) ler
Morro cada vez que escrevo
Arranco e deixo um pedaço de mim
Num verso de dor, como esses assim
Morro lentamente enquanto leio
Ou enquanto guardo aquilo que (não) escrevi
Morro lentamente enquanto anseio
Morro de saudades daquilo que não vivi
Quando um poeta morre
Ninguém se comove
Não tem caminhada, não tem passeata
Ninguém protesta
Ninguém reivindica
Além das palavras do próprio poeta
Que conta sua história depois de morto
Na minha concepção todo poeta é um tanto imortal
Amaldiçoado pelo dom de escrever