Cinco poemas de Luciano Duarte
Luciano Duarte. Alagoano longe de casa e saudosista, é estudante de literatura e, quando consegue, tenta escrever contos e poemas.
***
Memórias de casa
Assim como o cantar dos pássaros,
ouço o alvorecer sobre as tuas roças.
Dos incêndios pra moagem da cana,
das raposas afugentadas,
do pó caindo por entre os caibros da cozinha.
Recordo-me da jararaca no cesto de roupas,
dos cães ferozes dos vizinhos
do canto noturno das jias,
ocultas no breu da levada.
Memória que rebenta úmida,
como o orvalho logo cedo
sobre as plantas do quintal.
Não há como voltar,
assim como não havia de ter partido.
*
Comunhão
Ouço lá fora o chamado
que soa primeiro em língua estrangeira.
Abro espaço por entre as plantas do quintal,
e o mundo lá fora me sorri úmido.
Caminho ao cântico mais estridente,
os grilos que do oitão me chamam.
E da feira de sábado,
recordo conversas que me chegam em ruídos.
Embora me falte o dizer em comum,
triunfo em comunhão:
calangos sob o monturo frio,
pilha que jamais arrefece por dentro.
Almejo o íntimo do outro:
o salto da rã durante a chuva,
o voo da mosca à mesa do almoço,
o olhar do cão que me decifra.
*
As cigarras
Sempre ao fim da tarde,
o canto das cigarras chega até mim.
Arautas de um mundo estrangeiro,
mal as vejo cortarem voo pelo quintal
e aterrissarem nos troncos das árvores.
Sentado no meu banco de madeira,
acompanho com interesse o canto do fim dos tempos.
E as orelhas do meu gato dobram-se
em sinal de alarmada compreensão.
Nos afazeres do dia seguinte,
encontro carcaças presas nos mesmos lugares;
vestígios de que o mundo persiste.
*
Estiagem
O canto dos pássaros amanhece o meu dia.
Aquele som no qual me pouso sempre.
Uma catenga atravessa o quintal.
O topo do pé-de-manga permanece estático.
Da porta dos fundos presencio tudo aquilo com respeito.
Abaixo das árvores, as galinhas ciscam pelo de-comer
e conversam enigmaticamente entre si.
Minha contemplação é interrompida por um ronco no estômago.
E peço licença para as formigas que comem minha banda de pão.
*
Prenúncio
Ouço o rastejar das cobras.
O céu sem nuvens me alumia.
Quem mais viu o salto da jia?
O entardecer então se põe sobre mim
junto à melancolia do canto das cigarras.
O mundo dessa terra jamais silencia.
O breu lá fora me fascina.
Agora ouço a rasga-mortalha
sobrevoando
meu telhado de caibro.
Quem há de findar dentre nós?