Cinco poemas de Luiz Renato de Oliveira Périco
Luiz Renato de Oliveira Périco (1983 – Jacarezinho/PR) é bacharel em Letras pela FFLCH-USP e em Direito pela FDUSP. Vive em São Paulo/SP, onde é funcionário público. Em 2006, foi segundo lugar no II Festival de Letras da FFLCH. Em 2014, obteve menção honrosa no 22º Programa Nascente, da USP. Tem poemas publicados em antologias e revistas literárias, como Toró, Ruído Manifesto, Mallarmargens, Lavoura e Sepé. Forma Amorfa é seu primeiro livro publicado, (Viv Editora, 2021), do qual são parte os 3 primeiros poemas.
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O REMADOR
Tal como um remador rema de costas
E, sem ver, busca a linha de chegada,
Se esforçando com as mãos nos remos postas,
Assim também eu sigo, sem ver nada,
Dando remada em busca das respostas
Que eu tanto quero desde a minha largada.
E quanto mais me afasto da largada
Menos vejo minha meta em minhas costas,
Menos consigo ver minhas respostas,
Embora já mais perto da chegada.
E assim, mesmo às escuras, remo, e nada
Fará parar minhas mãos nos remos postas.
Seguindo minha jornada, vistas postas
Não onde chegarei, mas na largada,
Continuo remando sem ver nada.
Começam a doer minhas mãos e costas;
Contudo, eu continuo até a chegada,
Onde eu encontrarei minhas respostas.
Por que procuro tanto estas respostas?
Por que tantas perguntas me são postas?
Não sei, só sigo, ainda não é chegada
A hora de saber. Vejo a largada,
E sei que se eu tentar olhar de costas,
Eu não conseguirei enxergar nada.
E agora que eu remei bastante, nada
Mais eu tenho a perder, só minhas respostas.
A vida é mesmo assim – remar de costas
Sem saber quais barreiras nos são postas
Entre o que nós já vemos de largada
E o tal desconhecido da chegada.
Remar até que eu chegue na chegada
Ou então seguir remando rumo ao nada.
Pois, se for pra parar, pra que largada?
Remar até que encontre minhas respostas
Às questões mais difíceis que são postas
Como um fardo pesado em minhas costas.
Cheguei. Viro de costas. Na chegada,
Eis as medalhas todas postas: nada.
As respostas estavam na largada.
*
SANGUE DERRAMADO
O sangue derramado
Desde o sangue primevo de Abel
Rega nossas culturas, nossas terras
Escorre pelas serras
Enche os vales e sobe até os céus
O sangue derramado
Lava nossas calçadas, nossas mãos
Nos mata a sede, sai na nossa urina
Enche nossas piscinas
Enche os batistérios dos cristãos
O sangue derramado
Suja nossos sapatos, nossas unhas
E nos acusa como um promotor
Acusa um transgressor
E nos entrega como testemunhas
O sangue derramado
Reclama por justiça em alta voz
O sangue derramado clama, brada
Nós não ouvimos nada
Os mortos são mais justos do que nós
*
CIRCUNCISÃO
Os pais levam seu filho até o Templo
A fim de oferecê-lo à sagração
O povo da Eleição e da Aliança
Em si leva o sinal dessa incisão
O sacerdote afia o fio da faca
Para que o corte tenha precisão
E cheio de temor e de tremor
De Deus toma a criança em suas mãos
A lâmina que corta o seu prepúcio
Deve cortar também seu coração
(Selah)
*
IMAGO DEI
Eu vejo a Imago Dei na face do mendigo
Cuja pobreza apenas suja sua beleza
Eu vejo a Imago Dei na face do inimigo
Sua inimizade não é a sua natureza
Eu vejo a Imago Dei na face do bandido
Sua pena apenas pune a sua dignidade
Eu vejo a Imago Dei na face do vencido
Sua derrota não o derrota de verdade
Eu vejo a Imago Dei nas faces machucadas
Nas faces escarradas, faces rejeitadas
Nas faces descompostas, faces escondidas
Eu vejo a Imago Dei nas faces mais estranhas
Moldada não nas faces, mas em suas entranhas
Eu vejo a Imago Dei em suas faces perdidas
*
Há pó sobre os meus livros
Os lidos e os não lidos
Há pó sobre a estante
E sobre a escrivaninha
Há pó sobre os móveis
Imóveis no escritório
E vê-se à contraluz
Que há pó até no ar
Passo o dedo na mesa
E desenho uma linha
Esse pó no meu dedo
É sua vida e é a minha