Cinco poemas de Luiz Santana
Luiz Santana – Luiz Henrique Costa de Santana – é um jovem negro natural de Vitória de Santo Antão – Pernambuco. Graduado em Letras pela UFAPE. Publicou seu primeiro livro de poesia pela editora de autopublicação Clube dos Autores, intitulado O multiverso poético de Luiz Henrique, em 2018. Teve um poema selecionado no concurso estipulado pela editora Vivara — Poesis 2019 — intitulado Entraves. Publicou seu segundo livro pela Multifoco: A sós, no ano de 2021. E foi finalista do VIII prêmio Hermilo Borba Filho, com a obra de poesia A metade de coisa alguma. Escreve poemas, contos e novelas.
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7 de março
ode a Gustavo Pereira Marques
o menino queria ser Deus
porque Deus não sentia o estômago se contorcer de fome
o menino queria ser Deus
porque Deus não sentia medo quando o pai chegava bêbado em casa
o menino ainda quis ser Deus
quando viu na lista de mais bonitos da sala, seu nome delegado a ausência
o menino ainda quis ser Deus
quando viu seu corpo sinalizar um tesão incontível
o menino queria ser Deus
porque Deus não precisava lidar com a finitude da vida
o menino queria ser Deus
e continuou querendo…
até que viu seus amigos morrerem um por um
Marquinhos, bala perdida
Nego Tito, desaparecido, boatos que a milícia sumiu com o corpo
Tatá, morto dentro de casa, por membros de uma facção rival
detalhe; foi morto por engano
o filho da branca, ele já não recordara o nome
morto por um colega que chamou pra fumar um beck
Mesmo assim
o menino ainda quis ser Deus
pois Deus não perdia nada, tudo era dele.
o menino ainda quis ser Deus
pois era pra perto dele que os seus amigos tinham ido,
[ele acreditava
o menino queria ser Deus
porque Deus não sentia luto
o menino queria ser Deus
pois Deus não precisava crer em ninguém,
[antes ele precisava que alguém cresse nele
e era isso que os amigos e o menino queria
que a polícia acreditasse que eles eram cidadãos quando eles dissessem,
mas esse querer estava distante da realidade
o menino queria ser Deus
porque Deus tem anjos e toda sorte de criaturas angelicais por perto
o menino queria ser Deus
porque Deus não sentia a solidão na pele.
*
31 de maio
hoje
uma vontade súbita de chorar
me levou a uma lembrança.
uma xícara de café pelo topo.
a mente cheia de você,
me recordei do choro
e do teu amparo.
você estava lá quando eu me verti em lágrimas.
e ainda continuou aqui quando elas secaram.
essa memória trouxe uma coisa boa.
não sei se fui o primeiro homem a chorar no seu ombro,
mas não quero ser o único.
essa brisa precisa retornar mais vezes por sobre meus olhos,
me lembrando que não sou de ferro.
que me despedaço em lágrimas
quando o vento da recordação me faz lembrar de algo bom.
em especial, aceito, que esse algo bom seja você.
*
03 de junho
Partilhar é a lágrima
Que rasga meu olhar
Ao ouvir que o tempo gasto
De nada serviu, a não ser
Para afligir o corpo que
Já não cansa, porque…
Não há mais tempo.
Esse verbo cerca a
Falta e corrompe a
Pressa que já inexiste.
Pois não sobrou nada
no armário da cozinha.
Ainda é segunda-feira,
em algum lugar aqui dentro.
E não sei qual a localização da
Lágrima que rasgara o olhar.
Sei que a lágrima é partilha,
Mas uma partilha solo.
Partilho de mim, para eu.
E mais uma vez a lágrima
Desenha:
Não há tempo.
A linha escorre,
enquanto a inércia,
toma-me:
Desenha dessa vez uma
Ampulheta
Com todo o tempo extinto.
*
02 de Julho
Me abrace
Enquanto o sol não se põe
Sobre o teto das casas destelhadas
Após o massacre de todos
Os “eu te amo”s não ditos
Só depois disso serás digno de ter
Meus braços por sobre os teus
E o cosmo dirá que tudo significa…
E nada pode significar mais…
Do que esse próximo passo a borda
Do precipício.
*
03 de julho
O caminho estranho
exibe o contorno de um corpo.
Os passos destoam do prescrito
os minutos seguintes
se mostram incertos.
Recuar não é uma opção,
desistir do que se seguiu até então,
poderia ser possível se a incerteza não se erguesse.
O corpo aproximasse!
Os passos seus cessão.
Os meus, decidem parar,
pelo medo e pelo gozo do incerto.
A penumbra se ergue sobre o instante
O corpo é humano, e isso basta!
Nenhuma palavra se lança da boca ao chão por segundos que parecem comprar a insanidade.
Pelo início uma oração:
– a pulsão do medo me aprisiona!
O corpo é expressão.
A sentença sobre a sentença.
A imobilidade abate e impossibilita a saída e a réplica.
Por fim a resposta ao corpo:
– a… consciência… da… finitude… liberta.
O corpo grita expressões inaudíveis, e o único movimento possível é aproximar as mãos dos ouvidos para amenizar o barulho.
O corpo responde:
– diga algo a mais. Sem excesso ou pretensão.
A hesitação se mostra como satisfatória.
Os minutos são eternidades parceladas
A resposta dada foi esta:
– capture o vazio. assassine a voz. enamore o silêncio.
O corpo prossegue no caminho estranho; caminho este outrora percorrido pelos pés, que voltam a funcionar.
O suor se funde à lágrima, as costas das mãos os lançam por sobre o caminho e a estrada parece ter um fim.