Cinco poemas de Márcia Vitor
Márcia Vitor – Carioca, Mulher, Sapatão, Geminiana, filha de Maria, Mãe solo de Camila e Gabriela e Avó apaixonada de Saluá e Ana Clara, Formada em Administração e especialista em Gestão e Direito imobiliário. Atualmente está engajada no projeto da Biblioteca Comunitária Esperança, junto com seus pares do curso de Biblioteconomia da UNIRIO. Apaixonada pelos livros, encontrou na poesia, desde muito cedo, um repouso secreto para suas inquietações, intimidades e olhares para o mundo. Só agora, aos 54 anos, ousa tirar sua escrita amadora da gaveta e compartilhá-la com o público. Terá sua estreia literária na “Coletânea Erótica: Versos Lésbicos” a ser lançada pela Editora Cassias Imperiais em 2022, onde estará ao lado de mulheres poetas sensacionais. O convite da Revista Ruído Manifesto foi um outro presente a agradecer.
***
PRIMAVERA
Hoje aquele vento que corta meus abismos
Veio trazendo um aroma novo.
Não havia nele o cheiro da solidão,
Companheira inseparável do meu sorriso;
Não trazia as palavras que amo, nem as entrelinhas
Que decifram tudo que descrevo, observo e traduzo;
Não tinha sequer olhos cinzentos,
mareados pelas lágrimas
Que colho tenras, sagradamente pelas manhãs.
Se aproximou sorrateiro,
Aninhou-se em mim como uma criança a procura de aconchego
E soprou baixinho as letras do teu nome.
Disparou fagueiro pelos meus territórios desprotegidos
Uma saudade sem explicação
Uma avassaladora semeadura de você em meu peito
Desde então, tua presença é a constância dos meus dias,
O orvalho nas manhãs de sol que eu não conhecia.
Tudo em mim é primavera
E você, o meu Amor
*
Um dia, se foi.
Deixou de gastar tempo
Com pensamentos tolos e
Divagações obtusas;
De destruir delírios
E lembranças inexistentes.
Se apagou feito o tempo que
Nunca se concretizou.
Desbotou com o excesso
De Carmim que transbordava
Deste corpo refém.
Cansou da luta solitária
De racionalizar ilusões e
Fatigou-se
De tanto buscar saídas
E desarmar ciladas.
Desceu do seu
Orgulho de concretudes
Antecedendo a
Chegada da insanidade e
Fugiu de ser encarcerada
Por um coração tirano
Eternamente
Apaixonado.
*
HORAS BRANCAS
O que me invade hoje é aquela saudade que nada mata
É a ausência infinita de quem já está tão ligado a você que nem se consegue definir onde se termina ou onde começa a outra parte.
Estou morrendo de saudades…
Morrendo de vida vazia, de horas brancas,
De arrepio na pele na distância do teu corpo,…
De beijos imaginários, tão reais que entumecem meus lábios.
Estou sofrendo de saudades…
E até nisso sou feliz, pois não é solidão.
Antes, é um constância de presença que enlouquece
Na mingua de olho no olho, de pele na pele, de vida na vida.
Estou padecendo de saudades…
Daqueles tempos ímpares que vivi ao teu lado
Da completude de sintonia, da amizade, do companheirismo,
Da alegria de compartilhar as mais impercebíveis coisas do mundo que ninguém enxerga.
Onde você está, aí também estarei eu…pra sempre!
O tempo ameniza a saudade, mas jamais será capaz de apagar a alegria de ter amado você e de ter merecido o seu inigualável Amor.
Estou triste de saudades…
Mas completamente feliz de senti-la, pois é na companhia dela
Que você caminha, inseparável, comigo.
*
RECORDAÇÕES
Abro o baú das nossas lembranças
Colho, frescas, as folha da vida que juntas vivemos.
Momentos que reacendem diariamente o amor
Que nasceu com o pensamento da tua existência futura.
Ouço o riso, a correria pela casa
Que na balburdia diária,
Completavam o aconchego do lar
Que com humildade preparei para tua chegada.
Degustei o sabor guardado com carinho
Das tuas primeiras palavras, dos passinhos vacilantes
Que destemidos, faziam de minhas mãos
O porto seguro para os momentos de incerteza.
Abri o lenço amarelado que reteve
Minha lágrima no teu primeiro dia de escola,
Ou aquela na homenagem onde a canção
Era só pra mim.
Folheei meus álbuns secretos
E de lá saíram gargalhadas sem fim,
choros de sono, de mimos, de dor;
O gosto das descobertas que compartilhamos
E aquela sensação sem igual
Do teu olhar de admiração diante da
Beleza que só você via em mim.
O tempo parou por um instante
E nem me dei conta que, na verdade,
Ele voou afoito.
Já vai longe a menina
Que em meus braços se aconchegava
E me tomava o peito.
Hoje são outras as caixas adornadas
Que guardam nossas novas experiências juntas
Tão preciosas quanto todas aquelas
Que te perpetuam criança
Guardada eternamente sob minhas asas.
*
CICUTA
Conversamos esta noite sobre este
Meu domínio sobre o teu corpo.
Falei de como lhe tomo a lucidez,
Como bloqueio a clareza dos teus pensamentos e
A percepção da vida ao teu redor.
Quis saber, sem resposta,
A razão de tão imensa necessidade de mim.
Fizestes silêncio.
Nenhum olhar, por mais tímido que fosse,
Foi lançado em minha direção.
Apenas um leve encolher de ombros e
Um suspiro longo, miúdo,
Acompanhado de uma pausa no tempo.
Foi como se dissesses que
Explicar não era uma preocupação tua; não carecias nenhum entendimento.
Necessitavas de mim e
Se entregavas. Ponto!
Ias bebendo-me aos goles,
Sorvendo-me afoita,
Inebriando todas as tuas razões em mim,
Por gosto.
Eu era para ti o escape,
O prazer, o êxtase, a libertação dos cansaços
Onde todas as verdades
Perdem o peso e as consequências, mesmo que temporariamente.
Em goles, degustas meu veneno
Procurando a cura e
Vais, sem saber,
Morrendo.