Cinco poemas de Maria Clara Araújo
Maria Clara Araújo é uma poeta lésbica piauiense nascida em 1999. Sua escrita é revestida de reflexões acerca do afeto, encontros, percas, pertencimento e (des)pertencimento no mundo. Atualmente é estudante de letras português pela Universidade Estadual do Piauí, borda e produz vídeos-poemas no perfil do Instagram @olhardepolen.
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TUA
queimei teus abadás
rasguei teu nome a gritos
senti medo enfim
tênue linha entre nós
saudade
o ápice do nascer
definhou sem apocalipse
o céu sem estrelas
meu eu à beira de ti
morrer sem dar trégua
sorrir sem mostrar dentes
megalomaníaco coração
mesmice trêfega
correntes nos pulsos
pássaros pulsam, puxam, cortam
quero-me viva
*
VOLÁTIL
boca minha em corpo teu
cenários frígidos
em sina, sentindo
desfrutar tuas camadas
de pele, carne e espírito
caminho sem encaixes
rotina traduzida em esquinas
de ruas incompletas
lacunas perdidas
desviadas em encontros
onde cabem teu mundo
e um punhado de estrelas
que penetrando teu olhar mudo
cintilam dentre as nuvens
no céu escurecido
donde a paz abstrata habita
em inconstante desejo
de incrédulo beijo
*
ESTÁTICA
malogrei
tudo desvaneceu
desgruda de mim a pele da boca
rasgam-se auroras cruas
penetrando meu eu
mordendo o amargo do mundo
na lambuza das ruelas
exaltei
cobri-me de vendavais
abandonando a noite
bailando por debaixo dos panos
saudando mendacidades
plenitude ínfima
normal de si
cheia de ordens
recaindo, recaindo
*
ROUQUIDÃO
rio que fere a pele
mata os desejos
sangra confissões
esdrúxulas de um peito
cujo colapso distingue
a fúria invisível de acender
fluxos de pensamentos
cujo abandono foge da normalidade
de dias turvos como as horas
que eu penava pensando
em mostrar-te meu mundo
sorrir não vale mais a pena
quando cabe em nós
o tormento de profundezas terrestres
de singelo grito
uma ajuda no caos supriria
nossos problemas matinais
um apelo por vida
um nome sem vogais
que vocaliza onomatopeias
recurso linguístico que predomina
ao te dizer que amar é verbo
que não exige preposição
*
ENCONTRAR
corrigir tua postura
sempre curvada
teu jeito envaidece
a crueldade dos dias
segurar tua face
no espanto das horas
beijá-la por todas as arestas
por todos os ângulos
por todos os poros
e te ouvir dizer
ser a primeira vez
que alguém faz isso
criar vínculo para depois
justificar a intensidade típica
de mulher que ama mulher
e se queixar pelas
consequências catastróficas
mas jamais se arrepender
de um dia ter te conhecido
e de ter perguntado teu nome
mesmo te perdendo de vista
mesmo nos afastando
para não incomodar
porque sabemos que lidar
com o gostar é complicado
e requer o tempo
que não temos