Cinco poemas de Michelle Soares
Michelle Soares (São Paulo, SP) é poeta, escritora e colagista. Já lançou dois zines independentes, e foi publicada pela Arara Revista, Vício Velho, Revista Desvario, Mallarmargens e Fazia Poesia, além de ter um poema publicado na Antologia Simpósio dos Poetas Bêbadxs (Desconcertos Editora, 2021). Ilustrou o miolo e capa das obras O Silêncio de Cassandra, de Ravenna Veiga (Mocho Edições, 2020); Pétalas, de Livia Petit (Chiado Books, 2020); A Longa Noite de Bê, de Fernando Ferrone (Mocho Edições 2021), e Diálogos Incendiários, de Luis Gustavo Reis e Eduardo Antônio Bonzatto (Mocho Edições, 2021). Atualmente, está escrevendo e ilustrando seu primeiro livro de poemas.
***
Tentativa de voo n.1
Afasto-me do chão
num sobressalto, tento encostar nas nuvens
apenas para te ver de longe, diminuindo de tamanho.
Alço voo, quando o meu peito
arqueia majestoso suas asas e minhas penas
misturam a cor de mil tons de melancolia.
Não posso migrar ao passado
nem alcançar sua pele: a ideia de nós dois
jamais conseguiu respirar nas alturas.
Por isso, fecho os olhos e abandono
os corpos de paixões abatidas no chão.
A brisa triste perfura minha face
há, nesse momento, um encontro com a liberdade
quando eu te esqueço (por um instante).
Quando esvoaço-me inteira e abraço o ar gelado
numa dança com o azul, acima das nuvens
pairo tão leve e agradeço a solidão que esse fim me traz.
Meu peito alcança alturas astrais,
sua graciosidade parte o céu ao meio
quase me consola e faz a ferida cicatrizar.
Dura apenas por um segundo, ainda é insustentável:
me choco, desatenta, à saudade espelhada da sua imagem.
Despenco.
*
Presa
Alguém deveria
dar um jeito neste quarto pequeno.
Aqui, nada cabe: meu andar ferino,
minha inquietude larga
de quem se sente preso nos próprios ossos
que não se assenta no pequeno espaço
da quina da porta à outra extremidade
do quarto.
É um roer de unhas,
mas as minhas estão intactas.
Chamo isso de roer de pensamentos,
então, arranco mais uma lasca.
Porque tenho os dentes famintos
e a insegurança é autofágica.
Alguém bem que poderia
aumentar o tamanho desta casa
apenas para que caiba
a minha alma contorcida, aquele tremer
da presa, quando finalmente escapa,
mas o perigo ainda a espreita.
Eu preciso de espaço, porque
ainda estou presa
hoje, não me sinto salva.
*
A procura do amor
Acalmar o peito.
Reconhecer a beleza tortuosa da espera indispensável.
Enquanto escuta que o segredo está no tempo:
corações acelerados pelo fim, só valerão taquicardias.
E se armar com o silêncio insone, mudez pura no estômago da noite
como a amada que afaga ideias em suspensão.
Feitos de tempo são os dedos do amante e do artista
o processo e os seus mistérios jazem nos beijos delongados:
a Procura da Poesia de Drummond
e o poema edificado por mãos calejadas e séculos intatos.
Resguarda a palavra. Até que o olho enche de lágrimas e lembra
que nasceu para este mundo mais uma vez.
Conquistar a perda do controle, quietude incontrolável
memória a mostra na parede da lembrança, revisita os clássicos
e fecha os olhos enquanto sente o deslizar das horas.
Paciente agonia:
o amor e o poema são dos mesmos cuidados.
*
Um beijo à Ana Cristina César
Ana C., deitaria aos seus pés
apenas para falar do amor
fulminante, romances ensurdecidos
Ana, bliss, hoje, é só utopia
os amores se acovardaram nas tocas
desilusão amorosa, diria aos teus pés,
fui eu mesma que fiz.
Ana. os beijos têm gosto de um tropeço
era só blue, e era um blue infeliz.
*
Te ouvi profundamente
até poder me enxergar
sinestésico dar de mãos
da escuta e um colo infinito
se abre nesse espaço entre nós
não chegamos aqui pelo divino
e duvido fortemente do sagrado
histórica unidade
uma eternidade em nossos peitos
dores e gozo partilhado
ferina doce, feminina amizade.