Cinco poemas de Pedro Mohallem
Pedro Mohallem, 26, é poeta e tradutor, bacharel em Letras e mestrando em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo. Autor de Véspera; Debris (Patuá, 2019), semifinalista do prêmio Oceanos. Com Leonardo Antunes e Bruno Palavro, traduziu uma antologia poética de Lord Byron intitulada Sol dos Insones (Zouk, 2021). Para o Mestrado, seleciona, traduz e comenta a obra poética de Alfred Tennyson (1809-1892).
***
TIÊ-FOGO
Chove. Antes, porém,
que a fuligem cesse,
fogo astral, também
a estrada anoitece.
Numa estranha paz
tudo se resume:
mudos carcarás
cozem o betume.
E as flores? Não era
quase primavera?
(Se esgueirando pelas
brenhas, o tiê
vê um tronco de ipê
florente de estrelas.)
*
MANTIQUEIRA
Poucos caminhos são assim propícios
para abolir o espírito… Subamos
junto ao canto geral dos gaturamos,
entre ossadas, portais e precipícios.
Mantiqueira: da entranha à superfície, os
contrafortes solares de teus ramos,
bruta vertigem mineral, indícios
do infinito que em nós desencontramos.
Pavão de fogo em êxtase e agonia
sobre um mar de araucárias (cada fronde
é um candelabro morrediço) – um tom
de eternidade sagra o fim do dia.
E neste estar apenso à penedia
uma saudade, sombra que se esconde
no sol das próprias asas, assovia
sua pergunta que ninguém responde…
*
ÂNGELUS
As nuvens de São Paulo,
ocos mamutes,
derramam
sobre a lona envelhecida
o sumo de uma estrela,
bruta pisa vespertina.
Custoso é o seu passar
— trazem apenso ao lombo
um ângelus de Minas —
e o mosto alaranjado se dilui
nas asas de carbono como
no rubro suor de cada casco
que de calcar o concreto
se fendeu.
Os colossos,
enturvados agora
pelo carvão do silêncio,
pascem discretos
quase invisíveis
exceto por esse que entesa
a cabeça e ostenta
em êxtase sua presa:
foice de marfim.
*
BASHÔ
Ipê desflorido.
Sabiá desce do galho.
Som de folhas secas.
*
FIRMA TEUS OLHOS NESTA AREIA RASA
Estamos indo sempre para casa.
(Raduan Nassar)
Firma teus olhos nesta areia rasa:
ela será teu pasto exílio afora.
Estamos indo sempre para casa.
Acalcanhando indiferente brasa,
a ti somente é que teu pé desflora.
Firma teus olhos nesta areia rasa;
o mais é um limiar que se defasa,
hortos de que o deserto se assenhora.
Estamos indo, sempre… Para casa
nos arroja o simum — raiz ou asa? —
e o cedro da memória, luz canora,
firma teus olhos nesta areia, rasa,
que fremente e contínua te extravasa.
Não esperemos por nenhuma aurora:
estamos indo sempre para casa.
O tempo há de trazer em rubra gaza
nosso punhal e nossa fé. Por ora,
firma teus olhos nesta areia rasa…
Estamos indo sempre para casa.