Cinco poemas de Rafael Nolli
Rafael Nolli. É natural de Araxá, MG. Professor, formado em Letras e Geografia. Publicou livros de prosa e poesia, com destaque para Gertrude Sabe Tudo (obra infanto-juvenil de 2016) e Achados e Perdidos (Prêmio CEPE Nacional de Literatura, 2021). Em diversas ocasiões fez mediações no projeto Sempre um Papo (entrevistando nomes como Valter Hugo Mãe, Aline Bei, Leila Ferreira, Aroeira). É um dos curadores do Fliaraxá (Festival Literário de Araxá), atuando na organização das atividades que se desenvolvem nas escolas da cidade.
***
Contra a corrente
Talvez tudo se resuma a isso:
O nome do país, sangrando no mapa
O futuro a nos morder o calcanhar
Nos arrastando para o passado
Talvez tudo se resuma a isso:
Não termos sequer avistado a praia
*
Vida
No parapeito do prédio
Um cacto floresce
Dez andares acima do térreo
Contra o gradil de ferro
Metódica, cresce
Contrariando a lógica
Uma flor em seu esplendor
Minúscula, pálida, aguarda
Ávida, a visita do polinizador
*
Flores Comuns, de beira de estrada
Não há dúvidas
Que essas flores miúdas
Não foram plantadas
Nessa beira de estrada
Crescem selvagens, indomáveis
Semeadas pelas mãos do acaso
São dessas espécies ordinárias
Que se negam a prosperar em vasos
Colhê-las para replantá-las
Equivale a cortar asas
Só prosperam no chão
que chamam de casa
*
Obsolescência
Um século – ou um pouco menos –
e ninguém que hoje come, dorme, trabalha
– e se envolve, ou não, com política, religião
com causas sociais, grupos de dança –
estará aqui para contar história.
Estamos falando de um século
– na verdade, de um pouco menos que isso –
tempo que não é nada para as árvores
para as tartarugas, para as garrafas de vidro
tal como para as garrafas de alumínio, de plástico
(pois essas, herdarão o mundo).
E ninguém que agora caminha por entre as árvores
que nada com as tartarugas
(no mar, em um lago, em um aquário)
ou que segura uma garrafa de coca-cola
(de alumínio, de vidro, de plástico)
estará aqui para contar história.
Em um século – ou um pouco menos –
outros seres estarão em nossos lugares
(como peças de reposição
em uma engrenagem já gasta).
A maioria dessas peças não nasceu ainda.
Daqui a meio século, terão meio século de vida.
Sequer fazem peso sobre a Terra.
Sequer constam em algum registro de cartório
(talvez – e nada além disso –
existam nos sonhos de algum casal apaixonado).
Convenhamos, colocados entre nós e o Sol
nem sombra fariam.
Não estarei aqui, meio século a frente
(que é tão pouco tempo para as árvores
para as tartarugas, para as garrafas…).
Absolutamente nada saberei – lamento –
das histórias que essas pessoas contarão.
*
Três Homens Parados – Lado a Lado – no Ponto de Ônibus
(retrato poético de uma cena vista agora a tarde)
São três homens parados
– lado a lado –
no ponto de ônibus.
Olhando daqui, seria possível dizer
(de forma bem simples, bem didática):
o primeiro é um homem bonito (e alto);
o segundo, uma pessoa qualquer
(sem qualidades, sem atrativos –
pequeno, parrudo & meio pálido):
se fossem personagens de filme/série
seriam figurantes irrelevantes
(e sem fala).
Que a verdade seja posta às claras:
pouco nos importa esses dois sujeitos
(quem são, para onde vão, o que anseiam etc. e tal).
Tudo o que se pode dizer
– e tudo que se pode extrapolar –
está dito na estrofe acima.
Já do terceiro indivíduo é inevitável dizer uma série
– longa; talvez, injusta –
de especulações.
De imediato, o que os olhos veem:
não importa a sua estatura
(pois ela nem se percebe)
não importa a sua cor
(que nem se percebe)
a sua vestimenta, tampouco importa
pois, nada disso se percebe.
A única coisa que salta aos olhos
– e nada mais –
é a envergadura de seu corpo
– curvado como uma foice –
sobre o fardo – peso-pesado – do seu fracasso.
Nada se vê, nada se nota, além do óbvio
(aqui, notando não só com os olhos):
eis ali um homem derrotado.
Se ele fosse um personagem de cartum
ou um desses personagens cômicos
haveria uma nuvem espessa sobre a sua cabeça
(uma nuvem de chuva, precipitando;
& raios relampejando).
Especulo, dessa distância segura:
teria aberto as portas da casa para a pessoa errada?
Teria aberto o coração – e suas comportas –
para a pessoa errada?
Teria errado por caminhos erráticos?
Poderíamos perguntar:
estaria ele vindo de (ou indo para)
um campo de batalha?
Se fosse um desses personagens trágicos
seria a perfeita descrição da vítima de uma perfídia.
Poderíamos especular:
teria ele acabado de ficar desempregado?
Teria descoberto doença já avançada?
Teria a filha mais nova em posse de sequestradores?
Olhando daqui, dessa distância
– que é segura para se olhar sem medo –
seria fácil para qualquer voyeur
– ou poeta –
chegar ao mesmo vaticínio que eu.
O ônibus chega. Ele embarca.
Nini
Adorei os poemas de Rafael,. mineiro dos bons, Cujos Poemas modernos ESTÃO bem estruturados, deixando sua imaginação voar
LUCAS RAFAEL NOLLI DUARTE
Uma alegria estar aqui, na ruido manifesto. obrigado!
Priscila Barreto
Todos os poemas do Rafael são perfeitos, mas confesso que o “Vida” mexeu comigo .
Parabéns Rafael !