Cinco poemas de Renata Dalmora
Renata Dalmora, artista baseada em São Paulo -SP, graduou-se em artes cênicas e atualmente divide suas atividades entre a escrita, composição e atuação. Em sua escrita poética, se reflete seu interesse pelo estudo da psique humana e do feminino sob uma perspectiva Junguiana.
Os poemas abaixo integram o primeiro livro da autora, O Canto Sedutor dos Mortos e Outras Ressurreições, publicado pela Editora Patuá.
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Embalagens
Vou vender poemas
Com embalagens
De bombons e camisinhas.
E das propagandas elas serão
As menos enganosas.
Porque nenhum prazer é maior
Do que morar na poesia.
E se me disseres:
O meu amor me dá mais prazer que isso,
É por ser o seu amor,
Feito de poesia
E se me disseres:
A natureza me dá mais prazer que isso,
É por ser de poesia,
Feita toda a natureza.
Assim como também os são
O seu Deus e o seu Diabo.
Vou vender poesia
Com embalagens de chicletes
E não chegará aos pés da poesia,
Essas bonitas embalagens.
Serão das propagandas,
As menos desonestas.
Serão desonestas às avessas.
E eu não maldirei nunca mais
Nenhuma publicidade
Porque se servirá dela a minha poesia.
E venderei minha alma e o meu sangue
Disfarçados
De capas de agências de viagem.
*
Quanto ao amor
Não me peça um poema
Minha poesia consiste em acordar sonolenta
E andar distraída pela cidade
Quanto ao amor,
Me poupe o embaraço
De te esfregar uma verdade na cara.
*
Existirmos, a que será que se destina?
A estranheza das datas comemorativas
E dos aniversários
Dos dias em que se celebram
Os nascimentos, as mortes e os renascimentos,
Os nossos próprios
E os dos deuses.
Nesses dias e em outros,
Me atravessa a existência.
E existirmos,
A que será que se destina?
Pois quando a mim foi dada
A vida pequenina
Atravessou-me e ainda atravessa-me
A lança fina da existência,
(Com as suas almas penadas, galáxias e planetas)
Pelo meu corpo frágil, grão de areia.
Existirmos, a que será que se destina?
Pois quando a mim foi dada a vida pequenina,
A vida imensa,
Nada me foi dito.
Existimos, a que será que se destina?
*
O Machado
O que queres?
Te entrego
Poesias
E tudo mais de inútil,
Que aos outros,
Não têm importância nenhuma.
Te entrego
O que importa,
Mil beijos,
Dores antecipadas
E o meu presente.
Te entrego o salto
E o medo,
As palavras
E um machado
Para que me quebres
De amor
As pedras do coração.
*
Convenção
Aqui jaz um delírio antigo
De um delirante crônico
Que amaldiçoa a cura
Um enterro digno
a uma história indigna.
Convenção.
Os restos,
desaparecidos.