Cinco poemas de Tito Lívio Lisboa
Tito Lívio Lisboa tem 33 anos e mora em Recife. É formado em direito e jornalismo e trabalha como assessor de imprensa. Publicou três livros: Aurora poética, Entre a flor e a raiz, Restos de anteontem.
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Processo
Primeiro coloriu meus dissabores
Com tintas renitentes da alegria
Além me coroou com duas flores
À dadivosa luz dum calmo dia
Depois me fez arder, pássaro em fogo,
Das chamas coruscantes da ardentia
No banquete do amor que tresvaria
Deu-me para jantar espigas de ouro
Sob os cabelos negros, sob a asa
Duma lua sangrando em fantasia
Deu-me para beijar coxas em brasa
Por entre véus fecundos da heresia
Por fim tudo ficou dentro de casa
Sua loucura fez-se estrela guia
*
As janelas do dia
Na aurora do dia
Estarei atento
À tua chegada
Na crista do vento
Trarei os pés descalços
Ao viço da terra
As mãos bem abertas
Em meio à janela
E no meio dia
Achar-me-ás desperto
Pelos perfumados
Das fugas, desertos
No final do dia
Com a roupa amassada
Inda me verás
A lustrar as armas
Ou seguindo pássaros
Ou inventando arcos
Cavalos sem selas
No horizonte esparso
Quando der a noite
Eu fecharei a casa
E perante a lua
Findarei a saga!
*
Mote
Pois bem mal raiara o dia
Um sopro rompeu a soleira
Trouxe sonho em ventania
De uma flor de laranjeira
Trouxe cheiros do passado
Perfumes que já nem sinto
Trouxe o tempo reiterado
Palmas do quintal extinto
Anterior ao meu lamento
Anterior ao meu naufrágio
Trouxe vida e sentimento
Trouxe rosa e bom presságio
Agarrei o leve rastro
Pelos pastos fugidios
Esburguei todo fado
Retirei lodo dos rios
E nessa viagem curta
Pude rever as auroras
A mãe inda nova e justa
Meu pai contando histórias
Quando relevou o cansaço
Tal que seguir não podia
O sopro serziu um abraço
Pois bem mal raiara o dia
*
Declaração
Amo-te à noite surda e espelhada
Sob o círio a queimar entre as igrejas
Amo-te no silêncio teu de amada
Que parece altear quando me beijas
Amo-te sempre e sempre à flor da pele
Ao fogo derradeiro que invade
Amo antes que o pudor em nós rebele
Dedilhando-te à luz de uma saudade
Amo por te saber enternecida
Junto a mim como mar e como lua
Junto a mim como fonte refletida
E por dizer que a minha vida é tua
Amo-te por me dares nova vida
Com essa graça de menina nua
*
Dois nômades
Ao vê-la pelo chão, triste e desamparada
Tive um surto qualquer similar a loucura
Eu estendi minha mão porém sem dizer nada
No instante em que passou por nós uma ave sura
No instante em que passou por nós uma ave sura
Foi quando consegui domar seu corpo quente
Ali mesmo na estrada, meio de repente
Amamo-nos na paz da mais plena ventura
Não muito demorou esse enlace surreal
Tudo era urgente em nós na certeza fatal
Da estrela que se esvai no esplendor da aventura
Pude ao menos sentir seu gosto antes da ausência
Levá-la como a trânsfuga que leva a essência
No instante em que anuncia o outono uma ave sura