Cinco poemas de Yasmin Moreira
Yasmin Moreira. “Sentimental há vinte e sete anos e oito meses. Dramaturga, produtora cultural e cantora de chuveiro. Sou boa com as palavras, mas não sou muito boa com minibio. Posso afirmar que sou brincante e por vezes me perco na insustentável leveza do ser. Escrevo peças, relatos, músicas, desabafos, roteiros, cartas e o que mais a palavra pedir… Escrevo porque preciso, essa certeza me acompanha”.
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RETICÊNCIAS
Quis colocar um ponto final onde já tinha
Mas minha tentativa virou reticência…
Estiquei o que tinha pra dizer
Uma, duas, três…
Desgastei as palavras até não sobrar nenhuma letra
Acho que era isso que eu buscava
Não ter mais…
Quis simplificar o que é complexo
Caí no labirinto das intenções
Essa coisa borrada
Não tão simples quanto parece
Mas não tão difícil que não possa ser entendido
A memória tão insistente
O esquecimento tão atrasado
Isso tudo que mistura
E em mim fica misturado
Peço perdão e aceito as desculpas
Falo, escuto e largo a culpa
O ponto final não veio
Não tem fim, só começo e meio
*
NÃO VIM PRA FAZER SENTIDO
Aqui canta a cigarra, o sapo e outros seres não identificados pelo meu humano ouvido. Não sei de onde vem todos os sons que ouço, mas sei que ouço, mesmo sem saber seus nomes.
No momento não sei muito bem o que pensar, o que falar, o que sentir. A única coisa que eu sei, é que devo permanecer atenta. Andantes da vida, escutai-vos. Dessa trilha que segue adiante, segue-se ambulante, cada hora um sentimento, cada segundo um instante. Pelas vias práticas, sei como vim parar aqui. Pelas vias de não sei onde, não sei para onde ir.
Tenho um incômodo no peito.
Me falaram que os incômodos são os alertas que o nosso corpo nos dá. Mas são os mesmos que me confundem para qual caminho seguir.
Ratos me mordam, cobertas me cubram, raios me partam, chuva me molhe.
Silenciamento bate em sentimento puro, tanto bate até que curo. Como a água que fura a pedra, a princípio não pareço fazer sentido. Mas tanto vê, até que olha. Tanto fala, até que ouve. Tanto ouve até que escuta. Tanta coisa até coisa tanta.
Hoje não estou fazendo muito sentido. Caso o seu sentido seja o caminho, talvez eu possa continuar meu não-raciocínio. O não-raciocínio: são as palavras que vem do que sinto. Mordam os ratos, cubram as cobertas, partam os raios, molhem as chuvas. As palavras possuem sentidos e texturas. Já o sentimento… nem sempre tem sentido, mas tem textura!
Quando mudo os sentidos, você acompanha ou fica perdida/o? As palavras são códigos que mesmo ditas, precisam ser traduzidas. O que vem de dentro, nem sempre vem límpido, quer dizer… em sua maioria.
Códigos de palavras que nem sempre são ditas, é gesto, é olhar, é toque, é tinta. Expressão da palavra, expressão do rosto, expressão do gesto.
Expresso a pressão, libero a tensão, expresso o sentir, abraço o intuir.
Hoje não vim pra fazer sentido.
*
PERSPECTIVAS
o lagarto na parede não sabe que dia da semana é hoje
o macaco tirando piolho não conta as horas
o pássaro não mede seu voo em km
as cores, os sons, os cheiros…
o toque, o gosto, o sexto-sentido
tudo existe de maneira distinta em outra vida
e não precisa nem mudar de espécie
o que o animal sabe do que vive é perspectiva
a cobra não vê, e nem por isso bate o mindinho na quina
*
DE REPENTE
Existem os DE REPENTE’s
DE REPENTE algo se quebra. Algo se rompe.
De repente: aquilo que acontece bruscamente
Aquilo que se via sempre, e agora não se vê mais
O som frequente que agora quem ocupa é o silêncio
Deixo que o choro acolha o sentir das ausências
pois sem sentir não há choro
Como o rio que acolhe suas águas
pois sem água não existe o rio
Às margens de mim ficam as saudades. E tem vezes que de repente a correnteza passa por mim arrastando tudo. Ou eu sou a correnteza? Ou eu estou na correnteza? Não sei exatamente o que esses sentidos figurados querem dizer. Mas digo mesmo assim.
Só sei que ora me afogo, outrora fluo com ela.
De repente… já é final de outubro. E o passado já virou ontens, semanas, meses e anos.
*
HÁ MISTÉRIO MESMO ASSIM
Em um dia estou comemorando o aniversário do meu irmão
agradecendo mais um ciclo sendo renovado
.
Não é nenhum segredo que o tempo passa
mas há uma magia mesmo assim
.
Noutro dia meu coração acelera com uma notícia
um amigo eternizou-se em lembrança
.
Não é nenhum segredo que a vida finda
mas há mistério mesmo assim
.
Daqui uns dias meus olhos vão encher de lágrimas
avistando uma vida no seu primeiro dia
.
Não é nenhum segredo que o tempo passa
Não é nenhum mistério que a vida finda
.
Mesmo assim há enigma.
.
o inspirar da existência
na primeira passagem de ar nos faz gritar
o inspirar do cotidiano
nos automatiza para não parar
o inspirar do fim
torna-se substantivo inspiração
.
Durante o trajeto fiquemos atentos
os ciclos não estão nos calendários
não tem data e nem horário
Durante o trajeto fiquemos alertas
os ciclos não precisam ser viciados
nem carrossel e nem quadrado
.
Ninguém escapa do orgânico
isso é tudo que somos
somos, e isso é tudo.
para inspirar, esvazie-se
para expirar, preencha-se
agradeça
pela vida que surge
pelo atemporal agora
pela essência que transmuta
lembre-se de quem te lembra
que existir não é só luta
(Foto Yasmin Moreira: crédito de Yago de Souza).