Copa do Mundo – “Anina” (Uruguai) – Por Wuldson Marcelo
Anina. Direção: Alfredo Soderguit. País de Origem: Uruguai, 2013.
Em 2014, a animação Anina era a representante do Uruguai na busca por uma vaga entre os indicados a Melhor Filme Estrangeiro. O longa-metragem não obteve um lugar na disputa, mas a sua submissão à Academia de Hollywood demonstra o quanto essa obra de Alfredo Soderguit tem relevância na cinematografia do país.
Anina é uma animação tradicional que investe em cores e detalhes para acompanhar a menina Anina, de 10 anos, cujo nome completo é um palíndromo triplo, Anina Yatay Salas, o que rende a ele na escola o apelido de Capicua (sequência de algarismos que se lida em ordem inversa permanece no mesmo valor). O curioso é que ao tentar se defender, apresentando uma das muitas explicações do pai – um apaixonado por palíndromos –, Anina complica a situação, já que capicua, em catalão, significa cabeça e cauda. O nome da garota é um fator que afeta a sua autoestima (ela mesma julga sua designação como uma piada pronta) e, certo modo, a relação com seus pais, que ela interroga constantemente a respeito do nome com o qual batizaram.
Apesar desse incômodo, Anina segue sua vida escolar, comportando-se como uma resistente diante da ridicularização que sofre, do constante bullying, e, em casa, ela tem pais amorosos, que estão sempre presente e a educação a base do diálogo. Além disso, a sua avó a presenteia com uma lista de nomes feios, para que entenda (uma maneira de reconfortá-la) que Anina é um belo nome. Os prós e contras do cotidiano da garota dão margem a delicadas e instigantes reflexões.
Porém, o maior desafio para a protagonista se apresenta após uma briga, durante o recreio, com Yisel, uma menina que Anina se refere como “elefanta”. A luta corporal as leva até a diretora da escola, que, como castigo, entrega um envelope preto selado para cada uma, e apresenta duas condições: não o abrir para verificar o conteúdo (deverá ser aberto sete dias depois na presença da diretora) e não comentar a respeito do castigo aplicado. As condições requerem um esforço enorme de Anina e chegam a causar pesadelos. Florencia, sua melhor amiga, sugere que roubem o envelope de Yisel, para descobrirem o que contém, assim, evitando uma punição e colocando fim à curiosidade. Ainda há um menino pelo qual Anina é apaixonada, Yonatan, que acirra sua rivalidade com Yisel.
Alfredo Soderguit, um ilustrador e diretor de arte, realiza com Anina sua estreia na direção cinematográfica, e sua animação tem uma história simples, desenvolvida com inteligência e humor, o que faz do longa-metragem um conto encantador sobre autodescoberta e empatia. A jornada da menina para conseguir cumprir a determinação da diretora ao mesmo tempo que a conduz a refletir sobre suas ações, dá ensejo às cenas que revelam o valor de Anina como obra de cinema: a garota e sua mãe se transformando em leitoas felizes em resposta a uma vizinha moralista que diz que não se deve “jogar pérolas aos porcos” (a mulher havia presenteado a mãe de Anina com um velho livro sobre educação infantil, que acaba “involuntariamente” destruído pela menina) e o sonho de Anina no qual ocorre a reunião das pessoas com os nomes mais feios do mundo, a qual ela é convidada de honra. A inserção do onírico no filme de Soderguit é, além de criativa, eficaz no que tange às dúvidas e temores de Anina. O universo infantil é povoado de questões que, para os adultos, são facilmente solucionáveis, mas que para uma criança representa angústia ou exigência por uma resolução. Os dilemas de Anina são próprias de sua idade, mas possuem um quê de nostalgia capaz de envolver a todos, independentemente da idade.
Com uma trilha sonora envolvente e uma fotografia que aumenta a impressão de um livro ilustrado em movimento, a parte técnica de Anina, ainda que apresente algumas falhas, é bonita, colorida e adequada à narrativa, que aposta em um ritmo contemplativo e nos seus personagens para criar uma odisseia infantil de autoconhecimento e que se fundamenta na importância da compreensão do outro e de que os problemas, por mais que pareçam insolucionáveis, requerem empatia e valorização de nossos afetos e conexões.
Anina é uma sutil e prazerosa vitória do cinema sul-americano em forma de entretimento e reflexão para crianças e adultos.