Copa do Mundo de Filmes: “Amor” (França) – Por Luciene Candia
Amor. Direção: Michael Haneke. País de Origem: França / Alemanha / Áustria, 2012.
Ao som de Schubert (Para ser bem clichê).
La mort, nous n’y sommes pas habitués. (BLANCHOT, 1973, p. 07).
Mas que não se lamentem os mortos: eles sabem o que fazem. […] O melhor negócio é ainda o seguinte: não morrer, pois morrer é insuficiente, não me completa, eu que tanto preciso. (LISPECTOR, 2017, p. 109).
A morte é linguagem para Giorgio Agamben, em seu texto “Ideia da morte”, presente em Ideia da prosa (1999). Sem me prender ao conceito empregado pelo filósofo italiano, aproprio aqui apenas da imagem dessa linguagem para pensar uma cena de Amor (2012), filme do cineasta e roteirista austríaco Michael Haneke. Acompanhar os longos minutos em que Georges escreve cartas sobre o cotidiano para a esposa, depois de tê-la asfixiado, nos aproxima mais da vivência do que da experiência da morte, no incontestável fim.
Tal qual nos conduz a segunda cena, em que a câmera foca na reação dos espectadores de um concerto de música clássica, e não no músico, o espectador de Amor, paulatinamente, angustia-se com as personagens que, aos poucos, e a cada cena, se aproximam da morte. Esta condição irremediável encontra abrigo, e por que não dizer consolo (?), no pedido de Anne, na consciência de que o fim chegou, na exaustão e na ânsia pela liberdade impalpável.
Quando assisti ao filme de Haneke pela primeira vez, me indignei como latino-americana. Questionei a fria relação da filha com os pais, vivida pela sempre brilhante Isabelle Hupertt, e também pela própria distância estabelecida pelos pais com ela: “quem você pensa que é?”, questiona Georges ou, ao desespero e repulsa de Anne ao perceber a visita da filha e sua tentativa de carinho. Compreendemos essa rejeição materna em uma das cenas, por exemplo, em que Anne, já imobilizada na cama e sem conseguir falar, tem que ouvir da filha, Eva, sobre investimentos financeiros, aplicações, rendimentos e inflação.
Acostumados à cultura do apego, e talvez do afeto, nós, latinos, temos dificuldades em compreender como os idosos podem ser independentes e optar pelo direito de manterem-se distantes dos filhos, de gozar da velhice a sós. Amor, como obviamente sugere o título, é um filme sobre o amor incondicional entre um casal de idosos livres, mas é também sobre dor, e sobre as difíceis escolhas quando não há mais nada a se fazer para prolongar o que sobrou da vida.
Este breve texto não teve nenhuma pretensão de ser resenha, muito menos crítica, é um rascunho de reflexão da vida, da morte e, sobretudo, do amor, essa palavra sagrada e diluída. Não me detive à sinopse, aos detalhes estéticos, à rica trilha sonora, novamente com Franz Schubert, à teorização argumentativa da arte; estas frágeis linhas não são nada além do que uma sugestão para os masoquistas cinéfilos, que adoram se apunhalar e sangrar, tal qual Erika, em A professora de piano, em troca de sutis e dolorosas emoções.
Primavera de 2022.
Referências
AGAMBEN, G. Ideia da Prosa. Lisboa: Edições Cotovia, 1999.
AMOR. Produção de Stefan Arndt e Margaret Ménégoz, direção de Michael Haneke. França, Alemanha, Áustria: Les Films du Losange; X-Filme Creative Pool; Wega Film, 2012. 8 mm, 127 min. Legendado. Port.
BLANCHOT, M. Le pas au-delà. Paris: Gallimard, 1973.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.
Onde assistir: Claro TV+
* Luciene Candia, também conhecida como Luti, nasceu em Cáceres (MT). É doutoranda em Estudos Literários, professora de língua portuguesa, literaturas e de PLE (português para estrangeiros), costureira e cinéfila.
Valdecy Azambuja
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