Copa do Mundo de Filmes: “C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor” (Canadá) – Por Janete Manacá
C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor. Direção: Jean-Marc Vallée. País de Origem: Canadá, 2005.
O filme C.R.A.Z.Y. Loucos de amor (2005), com direção do premiadíssimo cineasta, roteirista e editor Jean-Marc Vallée (1963-2021), é uma produção canadense que se passa no Quebec dos anos de 1960/1970 e aborda o cotidiano de uma família católica e conservadora, com ênfase na vivência do jovem Zachary Beaulieu, ou apenas Zac como é chamado. Trata-se do quarto de cinco filhos cujos nomes formam o título: C.R.A.Z.Y.
A narrativa cinematográfica tem início no Natal de 1960 quando se dá o nascimento de Zachary, representado pelos atores Emile Vallée na fase criança e Marc-André Grondin na fase adolescente. E, assim prossegue até os seus 20 anos de idade.
Sua vida segue marcada pelos acontecimentos natalinos justamente por ser também o dia do seu aniversário. O pai (Michel Côté), admirador do Cantor Charles Aznavour (1924-2018) nunca perde a oportunidade de cantar a música “Hier Encore” (1964) encerrando as comemorações. A amorosa mãe (Danielle Proulx) se adapta à rotina sempre acolhendo os filhos e muitas vezes amenizando possíveis divergências.
Os conflitos da adolescência chegam e trazem desassossego a Zac quando ele se descobre homossexual. Para não desagradar à família ele passa a negar sua orientação sexual. As cenas são permeadas por gestos, expressões e olhares sutis. Como se a câmara dançasse a passos marcados ao captar as sutilezas por meio de close-up. As narrativas marcam a linguagem na medida exata e traz à tona, de forma poética, a dor, a impotência, a culpa, o medo e a insegurança.
A potente trilha sonora, apesar do alto custo dos direitos das músicas, foi bancada pelo diretor que não abriu mão do que havia planejado. E não foi para menos, já que é composta por uma plêiade de primeira grandeza, como Patsy Cline, David Bowie, Pink Floyd, Rolling Stones, Charles Aznavour, The Cure e outras.
Valeu a pena cada investimento, afinal, C.R.A.Z.Y. obteve a maior bilheteria de 2005, no país. A música enriquece profundamente cada cena abordada. Mas a perspicácia e o amor, que envolvem o enredo, fazem a diferença nos detalhes da sensível direção.
Zac, por ser diferente, enfrenta seus próprios desertos para vencer as tempestades. Ao visitar Jerusalém, cidade que a mãe sempre sonha em conhecer, ele simbolicamente caminha sobre os passos do Criador e volta com o vinil de Patsy Cline (1932-1963), preferido do pai, que ele havia quebrado.
A dor, a rebeldia, o sentimento de rejeição caracterizados por meio da maquiagem e do figurino do protagonista, juntamente com sua primorosa atuação, fazem com que o espectador desenvolva laços de profundo afeto por Zac, dando a impressão de ser parte integrante do enredo.
A relação de Zac com o pai, ainda que algumas vezes cause certa estranheza, é permeada por um sentimento que transcende a compreensão humana. Esse sentir é contagiante porque o amor ultrapassa toda e qualquer compreensão. Cada integrante da família é único, portanto, não há como não ser aceito com a sua diversidade. E, mais uma vez, nos sentimos parte integrante da história, sem exageros, dramas ou estereótipos.
A escolha dos atores para interpretar cada personagem também é um fator positivo na dramaturgia. Cumprem o seu papel com maestria e conquistam o coração do público.
Roteiro, figurino, cenário, fotografia e diálogos… trazem a harmonia num tom preciso e isso tempera com sabedoria cada segundo dos 127 minutos do longa-metragem. O resultado de todo empenho e dedicação vale os 33 prêmios obtidos dos 37 aos quais concorreram.
No Natal de 1980, ao completar 20 anos, Zachary canta juntamente com o pai. As vozes se fundem. Tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão iguais. “Ainda ontem eu tinha 20 anos e acariciava o tempo e brincava com a vida, como se brinca com o amor e vivia a noite sem contar com os meus dias, que sumiam no tempo…” (Hier Encore).
A efemeridade da vida, dos sonhos e do querer se cumprem. O raro disco de vinil quebra-se por um milésimo de segundo de descuido. Cada qual segue seu destino. E tudo passa a ser memórias. “Alimentei tantas esperanças que bateram asas, que continuam sem saber aonde ir. Com os olhos procurando o céu, mas com o coração na terra…” (Hier Encore). Ah, a música, tenho certeza, ainda reverbera no coração de cada apreciador da sétima arte que teve o privilégio de assistir a este filme!
Onde assistir: YouTube
* Janete Manacá é poeta e amante da sétima arte. Ultimamente, tem ocupado o seu tempo ousando novas experiências. Aprendeu a andar sobre as águas e a caminhar no deserto em busca de si mesma. Para compor poesias, ela mergulha no ventre da terra esquecida como parteira de palavras vivas.