Copa do Mundo de Filmes: “Clara Sola” (Costa Rica) – Por Wuldson Marcelo
Clara Sola. Direção: Nathalie Álvarez Mesén. País de Origem: Costa Rica / Suécia / Bélgica, Alemanha / França / EUA, 2021.
Atenção! Contém spoilers!
Clara Sola toca a alma. Mostra-nos como uma pessoa mesmo sendo o centro das atenções pode ser invisibilizada. O longa-metragem de estreia da diretora sueco-costa-riquenha Nathalie Álvarez Mesén trata de libertação, um despertar individual, espiritual e sexual que é o caminho para a própria voz, para o controle da própria vida.
Wendy Chinchilla Araya interpreta Clara, uma mulher de mais ou menos 40 anos, que é considerada santa, por isso tem a reputação de curandeira em uma remota aldeia na Costa Rica. As pessoas vêm de longe para serem curadas por ela, pois supostamente Clara viu a Virgem Maria na infância. Capaz de fazer “milagres”, é submetida ao conservadorismo religioso e seus excessos. Sua mãe, Fresia (Flor María Vargas Chavez), recusa-se a concordar com uma cirurgia, considerada essencial pela médica, que corrigirá a curvatura na coluna da filha, para que possa se locomover sem dificuldade e não precise conviver com a dor. Fresia argumenta que Deus a fez assim, então, é uma cruz que Clara deve carregar. A resposta da mulher revela o tipo de vida que cerca Clara: tutoreada, infantilizada e refém do fanatismo religioso.
A cena na clínica ainda é sintomática para o entendimento das interdições direcionadas à protagonista. Quando Maria (Ana Julia Porras Espinoza), sobrinha de 14 anos de Clara, contesta a avó, ao perguntá-la, “Então, eu deveria ter mantido algum dente torto?”, a resposta da anciã é que com a jovem é diferente. O direito à autoestima é retirado de Clara em nome da abnegação e do sofrimento físico, porém, decidido por um agente exterior.
Clara pode conversar com os animais e saber seus nomes secretos. A principal relação é com o cavalo branco Yuca, que compreende os comandos dela, é devoto e obediente. Na natureza, a protagonista é livre, conhecendo minuciosamente a fauna e a flora locais. É como um esconderijo e um reino. É uma breve ruptura com a civilização que tanto a aprisiona. No entanto, Fresia faz de tudo para impor restrições ao que ela considera rebeldia e maus modos. Sempre reclamando de um suposto martírio, a mulher puni Clara pela curiosidade sexual, de estar sempre se tocando após uma cena caliente em uma novela, fazendo-a mergulhar os dedos em pimenta malagueta. Suprimir a tentação da masturbação com um castigo infantil.
A chegada de Santiago (Daniel Castañeda Rincón) – contratado para levar Yuca a turistas em passeio, e que mais tarde se tornará namorada de Maria – ocasiona o florescimento inevitável e implacável de uma mulher vigiada e enclausurada em um contexto arcaico de sacrifício pela fé, enredada pela crença alheia – suas súplicas, ignorância e santimônia –, que não suporta os rituais religiosos ao qual é obrigada a participar pela mãe autoritária e carola.
Esse novo desejo, a atração sexual, é um dispositivo emocional a mais na revolução que acontece no interior de Clara. Período que coincide com o décimo quinto aniversário de Maria. O ritual de apresentação à sociedade da adolescente é também uma manifestação da sua curiosidade e das precipitações da puberdade. O vestido azul confeccionado para Maria usar no baile desencadeia reações já incontroláveis em Clara. A ela, que tudo é negado, um vestido novo, bonito e azul é a presença da valorização. Mas sua vontade é entendida novamente como capricho, já que a simplicidade é um elemento precípuo do sentimento religioso.
Clara acompanha às escondidas o romance de Maria e Santiago. Presenciando furtivamente beijos e carícias. Toda excitação das cenas mais quentes das novelas estão diante dela. Como expressar desejos há tanto tempo sonegados? A volúpia nascente e a curiosidade por um mundo que não é o das interdições e da obrigação religiosa, de um lugar que não quer ocupar, movem Clara, que, em um momento de intimidade com Santiago, conta ao rapaz o seu nome secreto: Sola. Sozinha, sem companhia, em um processo de autodescoberta.
A fotografia de Sophie Winqvist torna a natureza uma entidade viva, explorando-a em pormenores e em planos abertos, que destacam um verde exuberante e favorece o realismo mágico com o qual a narrativa flerta. Clara pertence a esse mundo, que serve como símbolo a sua sexualidade latente. A estupenda trilha sonora assombrosa de Ruben De Gheselle descreve com uma beleza indescritível a relação de Clara com a natureza, bem como o seu mundo íntimo.
A direção segura e tocante de Nathalie Álvarez Mesén encontra em Wendy Chinchilla Araya, em seu primeiro filme, a intérprete perfeita. Wendy cria gestos, expressões que definem essa mulher, seu exterior e interior, pois, entendemos o drama físico e os mundos que Clara tem dentro de si. É uma atuação impressionante, que desenvolve com precisão a jornada da personagem, de uma mulher dominada à uma mulher que exibe sua impetuosidade, que não aceita mais viver uma vida condicionada.
Depois do derradeiro gesto de Clara, para tornar sua revolução tangível, corpórea, e o não êxito de suas ações, a solução é a morte de Clara para Sola finalmente viver. Um belo simbolismo de Álvarez Mesén para o seu conto de libertação do desejo feminino e da emancipação de uma mulher.
Onde assistir: Imovision