Copa do Mundo de Filmes: “Harvie Krumpet” (Austrália) – Por Wender M. L. Souza
Harvie Krumpet. Direção: Adam Elliot. País de Origem: Austrália, 2003
Viver uma vida com propósito, ideais, almejando feitos e recompensas parece ser o norte de milhões de pessoas no mundo contemporâneo, incitadas por um discurso meritocrático, que no final de todo arco-íris de esforço há um pote de sucesso e dinheiro. Porém, nem todos almejam ou possuem condições para chegar até o final desse arco-íris e ver o que há. Apesar desse pensamento ter um enorme lastro histórico na sociedade ocidental, os seus moldes foram se modificando, se antes conquistar feitos era monopólio de uma camada social superior, hoje alcançar a grandeza, supostamente, depende de suas ambições e esforço, independente dos seus meios ou recursos, ou seja, um ser comum pode chegar a grandes realizações desde que ambicione isso.
Vencedor do Oscar de melhor curta-metragem de animação em 2004, “Harvie Krumpet”, um filme australiano em stop motion, faz-nos conhecer e simpatizar por um personagem com uma vida comum, nada extraordinária, mas que, ao longo do tempo, com suas situações insólitas mostra que a grandeza pode estar em atos que não ganham as manchetes do jornal ou que não parece muito heroico.
Narrando a vida de Harvie Krumpet, o criador Adam Elliot, o mesmo do longa de animação “Mary & Max – uma amizade diferente” (2010), conta a vida deste imigrante polonês na Austrália, durante e pós-segunda guerra. O curta tem narração do ator australiano, vencedor do Oscar de melhor ator em 1997, Geoffrey Rush.
No curta de quase 23 minutos, vemos a história de Harvie, um homem comum, que beira o medíocre, vítima de diversos infortúnios na vida. Nascido na Polônia, foi diagnosticado com síndrome de tourette, que envolve movimentos repetitivos incontroláveis ou sons indesejados (tiques), no caso, de Harvie o irrefreável gesto de tocar o nariz de pessoas que conhece, o que ocasiona situações em que sofre agressões. Por ser tímido e por causa do seu distúrbio, ele apanha dos colegas de escola, o que faz sua mãe tirá-lo do colégio e passar a ensiná-lo em casa, no entanto, sua genitora não possui educação formal para educar o filho com os mesmos conteúdos da escola, por isso o ensina sobre fatos da vida, na verdade, fatos curiosos que não têm relevância em uma vida prática ou que o habilite a alcançar níveis mais altos na educação regular, como universidade.
Nessa primeira fase da vida de Harvie, além dos problemas citados, ele tem que lidar com a demência da mãe, que sempre o confunde com um invasor. Harvie tem refresco no trabalho seguindo os passos do seu pai, um lenhador. Porém, um incêndio, causado por “descuido” da mãe, o faz perder a casa e os seus pais. Em seguida, a segunda guerra eclode e a Alemanha invade a Polônia, fazendo com que o jovem Harvie imigre para Spotswood, na Austrália, onde a sorte continua não sorrindo-lhe. São várias situações, ao longo do tempo, que comprovam que a vida pode ser cruel e zombeteira com alguns ou muitos. Harvie, como parte avassaladora de imigrantes, mantém-se em trabalhos precários, que o prende em uma vida miserável, sem perspectivas, além disso, continua sofrendo agressão por causa do seu distúrbio, o que faz com que tenha sua cabeça ferida, depois operada, tendo que colocar uma placa, que mais tarde se magnetiza, fato que o leva a ser manchete nos jornais locais, não de uma forma agradável, e o coloca em outras situações embaraçosas.
“Alguns nascem com grandeza, outros conquistam grandeza, alguns são encontrados pela grandeza e, então, há os outros”, com esse prólogo o curta se inicia, nos situando sobre o tema do filme, a história de um homem comum, aparentemente sem conquistas ou feitos, no entanto, se observamos melhor e nos deixarmos levar por essa personagem singela, veremos que sua vida daria um filme, mesmo que seja um curta de mais ou menos 23 minutos.
Refugiado, manchete de jornal, casado, pai adotivo de uma criança deficiente (que mais tarde se torna advogada), naturalista, vegetariano, salvador de galinhas em matadouros, Harvie Krumpet foge ao comum, como toda história de formação, a sua coloca-o em frente a desafios que moldam o modo como enfrenta seus problemas. Adam Elliot com seu prólogo e a sua narrativa pode nos fazer duvidar que há grandeza em Harvie, porém, sua vida pode provar o contrário.
Onde assistir: YouTube – Parte 1
* Wender M. L. Souza é redator publicitário, formado em Letras/UFMT. Ex-professor, ex-jogador de futebol amador, ex-leitor voraz, ex-cinéfilo e poeta não publicado. Atualmente, se dedica a tentar terminar as coisas.