Copa do Mundo – “Jonas que Terá Vinte e Cinco Anos no Ano 2000” (Suiça) – Por Valdecy Azambuja
Jonas que Terá Vinte e Cinco Anos no Ano 2000. Direção: Alain Tanner. País de Origem: Suíça, 1976
Jonas (assim nos referiremos ao longo título da película em questão) é o quinto longa-metragem de Alain Tanner e sua quinta colaboração com o escritor inglês John Berger. Considerando que, com seu filme anterior, Amantes no Meio do Mundo (1974) quis romper com as paisagens (Genebra e seus arredores) e com os personagens habituais de seu cinema, “Jonas” representa, para ele, um retorno ao que chama de seu “pequeno teatro pessoal”. Concebida como uma “tragicomédia dramática de ficção científica política”, “Jonas” tem efeito com seus personagens familiares, mais como uma alegoria para oito cabeças da persistência do espírito de maio de 1968, na França: Todos os personagens em Jonas não são realmente personagens caricaturais, são metáforas sobre duas pernas. Este não é um filme nem naturalista, nem realista, transita ao nível do alegórico. Tanner procura evitar qualquer identificação aos personagens, permitindo que o espectador mantenha uma distância crítica deles. Também faz de sua história uma sequência de cenas sem ligações diretas muito aparentes, mas que, gradualmente, vêm soldá-las por meio de relações de sentido para formar um feixe (cujas linhas são as profecias dos personagens) que completam a fábula tanto em termos de conteúdo como de forma. Para ele, “se um cineasta quer mudar o mundo, ele deve começar mudando o cinema”.
Filme poético e político, Jonas mostra uma Suíça que, em meados da década de 1970, está confortavelmente conformada e adaptada ao capitalismo, nada restando dos ventos de mudança que sopraram em 68 afora indivíduos isolados que representam facetas das utopias cultuadas pela geração anterior. Já não existe um projeto coletivo a imantar tais vertentes, mas os “pequenos profetas” (como o próprio Tanner se refere aos personagens do filme) continuam tentando levar adiante, isoladamente, aquilo no que creem. São oito, todos com os nomes iniciados por M (de maio, o mês das barricadas francesas de 1968).
Uma teia de circunstâncias inesperadas os vai colocando em contato, até que os oito se reúnem numa única ocasião, congraçando-se na fazenda do personagem que se dedica ao cultivo de vegetais sem contaminação química. É quando almoçam exultantes, numa sequência, belíssima, que simboliza a Santa Ceia. E naquela fase e sob tais auspícios, o casal de fazendeiros gera um filho, que será Jonas, evocando o profeta que foi engolido pela baleia mas sobreviveu, assim como o filme acena com a esperança de que a criança sobreviverá à gordura capitalista para, no ano 2000, corporificar uma nova e definitiva síntese dos ideais dos “pequenos profetas”.
Embora o filme não esclareça como isto se dará, parece destacar sobretudo a via representada pelo personagem Mathieu (São Mateus?), que Rufus interpreta. Ele quer educar as crianças de forma que não percam sua bondade natural, escapando ilesas aos condicionamentos ideológicos que uma sociedade corrupta lhes tenta impor, mais ou menos como Jean-Jacques Rousseau preconizou em Emílio, ou Da Educação.
Com uma narrativa entrecortada entre os quatro núcleos dramáticos da estória, e com utilização de insights e digressões por parte das personagens confabulando cenários diferentes para situações ocorrentes do enredo, Tanner traz uma ironia à sua maneira de “contar/fazer” cinema quebrando paradigmas de seu próprio estilo para tratar de um cenário histórico muito importante para a democracia francesa e mundial.
A concepção do cenário foi feita de acordo com os atores escolhidos para incorporar as oito “metáforas” das vozes de maio de 1968. Para Tanner, os atores inspiram o filme mais do que o roteiro e a direção em si. O trabalho de composição do roteiro com Berger é feito de acordo com uma distribuição precisa de papéis: Tanner escreve apenas o roteiro e os diálogos após uma série de discussões com Berger, este último intervindo novamente para correções. “Nós nunca brigamos. Mas eu tenho direito de veto, porque sou eu que tenho que fazer o filme”, diz o cineasta suíço.
Diante de uma parábola política tão bem construída que oscila entre o pessimismo e o otimismo, o sonho (desejo) e a realidade, o protesto e a utopia, a conclusão é que esse tipo de “cinema de personagem” não poderia ser mais universal. Jonas é um filme revigorante, pois, através de seus personagens caricaturais, combina ironia, ternura, inteligência e generosidade em doses exatas.
Agora em que comemoramos o cinquentenário das jornadas francesas (e brasileiras) de 1968, Jonas que Terá Vinte e Cinco Anos no Ano 2000 é um filme simplesmente obrigatório. Até por colocar em discussão o que realmente vale a pena discutirmos: se 1968 foi uma primavera que passou em nossas vidas ou o ensaio geral de uma revolução que ainda chegará? O diretor suíço tenta responder a essa pergunta vinte e três anos depois, assumindo o caráter de Jonas, que atingiu a idade adulta, em Jonas e Lila, Amanhã (1999). Nos anos 2000, Jonas (Jérôme Robart), agora com 25 anos, terminou a faculdade de cinema. Ele vive com Lila (Aïssa Maïga), uma jovem africana com quem se casou. Moradores de Genebra, eles buscam pela arte em um mundo instável. Junto com outros, o casal tenta encontrar o caminho da vida.
No “amanhã” de Jonas, o que antes era a luta por uma nova educação, pela liberdade sexual e contra a expropriação capitalista cede lugar às questões dos imigrantes e da desigualdade entre os povos. Enfim, a questão das fronteiras, já esboçada no filme anterior. Os grandes temas não existem mais. Morta a utopia, a verdade dos dois filmes de Tanner se revela na remanência dos personagens perdedores. “A verdadeira felicidade é perder tudo”, já dizia Max (Jean-Luc Bideau), em 1976. Aqui, Tanner nos reafirma: a derradeira resistência é, mais do que nunca, ser um perdedor na vida, até o fim.