Curadoria: Entrevista com Domingos Ailton – Serra Literária
Em dezembro, nos dias 08 a 11, ocorreu a I Festa Literária de Itaetê – FLITÊ. Festa que buscou fomentar a literatura na Chapada Diamantina e também enseja promover encontros culturais, ampliando e democratizando o acesso à apreciação e ao debate em torno de obras e manifestações artísticas. A FLITÊ inaugura sua trajetória com o tema Etnicidade e Diversidade, homenageando a escritora Carolina Maria de Jesus, autora do clássico brasileiro “Quarto de Despejo”.
Na coluna “Serra Literária” a colunista Nina Maria conversou um pouco com curador da Festa Literária Internacional de Jesquié, Domingos Ailton, sobre a importância da rede colaborativa de curadorias para as feiras e festas literárias na Bahia.
Nina Maria pergunta a Domingos Ailton – Quem é Domingos Ailton?
Sou poeta, escritor, professor, jornalista, pesquisador, curador da Festa Literária Internacional do Sertão de Jequié – Felisquié e atual secretário de Cultura e Turismo da Prefeitura de Jequié.
NM – Domingos, surgiu na Bahia, do sul ao norte, e, principalmente no interior, um forte movimento literário e uma verdadeira rede colaborativa entre Feiras e Festas Literárias. Frente a um governo federal que não incentiva a cultural, qual a importância e o porquê buscar essa rede para realização de eventos literários na Bahia?
Domingos Ailton responde: É um movimento muito relevante porque ele ocorre em torno da palavra, com base na literatura em diálogo com outras linguagens artísticas e na contramão de um governo federal fascista, que graças a Deus está no fim, que é o desgoverno Bolsonaro, o maior inimigo da cultura e do meio ambiente desde a redemocratização do Brasil. Essas festas e feiras literárias têm revelado muitos talentos literários e artísticos e proporcionado também que as pessoas do interior baiano tenham acesso aos escritores, atores, cantores entre outros artistas que não teriam se não houvesse esses eventos culturais. O fortalecimento dessas festas e feiras literárias passa por essa articulação dessa rede colaborativa envolvendo suas curadorias.
NM – Ainda sobre essa rede colaborativa, qual o papel de uma curadoria nas festas e feiras literária e, para, além disso, a importância de buscar uma curadoria partilhada?
DA: A curadoria é essencial em uma exposição, festa ou feira literária porque aponta a temática, discute os nomes dos palestrantes e da programação artística entre outras ações. Como é um trabalho exaustivo, a experiência tem demostrado a necessidade de uma curadoria compartilhada ou de uma comissão organizadora, comitê de organização ou outro formato similar, com responsabilidades como a coordenação acadêmica, coordenação de comunicação, coordenação da feira do livro etc. No caso da Felisquié, tivemos também a coordenação da programação voltada para crianças e adolescentes, que é a Felisquiezinha.
NM – Num mundo tecnológico e totalmente instantâneo e conectado, quais são os efeitos e as consequências, sejam negativas e/ou positivas, desse mundo novo nas festas e feiras literárias? As adaptações se fizeram mais que necessárias ou foi feita de modo gradativo, tendo em vista o período pós-pandemia do covid-19?
DA: Em decorrência dos efeitos da pandemia do covid-19 muitas lives das festas literárias ocorreram. Tivemos a Felisquié Especial, que foi totalmente em formato virtual, com transmissões de palestras e espetáculos artísticos no canal do Youtube de nossa festa literária. Foi positivo porque permitiu que gente do mundo inteiro tivesse acesso a esse conteúdo. Agora mesmo vai ter uma experiência bem interessante: A sexta Felisquié presencial foi filmada e palestras e algumas apresentações artísticas vão ser veiculadas no canal do youtube da nossa festa literária. Por outro lado, há aspectos negativos: o formato virtual não permite o contato humano, o calor humano, que possibilita surgir novas amizades e parcerias e há problemas também técnicos, que muitas vezes não permitem a veiculação ao vivo de determinada palestra ou conferência.
NM – Quais são as maiores dificuldades que você enquanto curador enfrentou para que um evento literário ocorra englobando todas as pessoas da sociedade, da mais nova a mais geração mais velha?
DA: O público é ainda pequeno se a gente observar a quantidade de moradores de cada localidade onde é realizada uma festa literária. No caso de Jequié, que é uma cidade de médio porte, que tem uma universidade estadual, a UESB, e faculdades particulares, centenas de escolas, várias entidades da sociedade civil entre outros pontos fortes de uma município desse porte, infelizmente é ainda uma pequena parcela da comunidade que participa da Felisquié. O comitê de organização da sétima edição, que vai homenagear um poeta jequieense, de dimensão nacional e internacional, o poeta Waly Salomão, que estaria completando 80 anos de nascimento em 2023, já está discutindo estratégias de mobilizar os diversos setores da comunidade jequieense para que efetivamente participe da Felisquié. Uma das estratégias é a Felisquié Itinerante, que vai percorrer escolas, associações comunitárias, clubes de serviços, entidades etc, mostrando a importância da festa literária e sensibilizando atores desses segmentos para possam participar da Felisquié, que será realizada no início de setembro de 2023.
NM – Quais são os maiores ensinamentos na realização de um evento literário a partir de uma curadoria?
DA: Que precisamos estar atentos ao local e ao global. Não podemos esquecer do escritor, do artista local, e por outro lado, temos que estar abertos para o que vem de fora, as contribuições que podem ser dadas por escritores, intelectuais e artistas de outros lugares. É um grande desafio porque são poucos os dias da realização do evento e muita gente quer palestrar, fazer uma apresentação artística e a curadoria precisa selecionar porque o tempo não é suficiente para abarcar todo mundo.
NM – Domingos, enquanto curador, o que não pode faltar numa feira e festa literária, para além da literatura?
DA: Apresentações artísticas diversas: música, teatro, dança, arte visual…. A literatura precisa dialogar com outras linguagens artísticas.
NM – Como e quais são os caminhos para envolver toda sociedade, seja Jequié, seja Itaetê, num evento desse porte como uma festa e feira literária?
DA: Já apontei em uma resposta anterior: É preciso sensibilizar a população da importância de uma festa ou feira literária para cada município desses municípios, inclusive em relação a geração de emprego e renda. Ganha não só os escritores e artistas, mas a rede hoteleira, os restaurantes, o comércio etc.
NM – Você é curador da FELISQUIÉ, A Festa Literária Internacional do Sertão de Jequié, que este ano realizou a sua 6ª edição. Quais são os caminhos para consolidação de uma feira e festa literária? Como a FELISQUIÉ pode contribuir para consolidar a FLITÊ?
DA: Colaborando com nomes para realização de palestras, apresentações artísticas e com sugestões a partir de nossa experiência.
NM – Sobre a FLITÊ, quais as suas impressões sobre esse grande evento, não só como curador, mas como escritor e participante de mesas e rodas de conversas literárias?
DA: Que foi um evento potente, mesmo sendo a primeira edição. Vi apresentações artísticas encantadoras de estudantes das escolas de Itaetê e de outros municípios da Chapada Diamantina, crianças e jovens de muito talento; a participação e a receptividade de muitos jovens também na monitoria foi muito bacana, além do intercâmbio que estabelecemos com confreiras e confrades das letras. Fiquei muito feliz em participar de uma mesa sobre identidade da Chapada Diamantina e de ter estabelecido intercâmbio com diversos participantes da Flitê. Agradeço o convite de Ester Figueiredo e Alexandre Santos.