“De notícias e não-notícias faz-se a crônica” de Carlos Drummond de Andrade – Por Andri Carvão
O canal que mantenho no YouTube desde outubro de 2021, Poesia Nunca Mais, onde indico livros e compartilho algumas de minhas leituras, deu margem a que eu escrevesse minhas impressões de leituras como roteiros para a realização dos vídeos. A princípio em forma de tópicos, resolvi organizar os escritos de modo a que pudessem ser lidos em algum meio: blog, rede social, site etc. Com a apreciação sobre De notícias e não-notícias faz-se a crônica de Carlos Drummond de Andrade prosseguimos com a coluna “Traça de Livro: …impressões de leitura…”.
Vida longa à Ruído Manifesto e aos seus leitores!”.
Andri Carvão é formado em Letras pela Universidade de São Paulo, autor de Um sol para cada montanha, Poemas do golpe, Dança do fogo dança da chuva e O mundo gira até ficar jiraiya, dentre outros. Apresenta o canal no YouTube Poesia Nunca Mais e publica poemas quinzenalmente no site O Partisano.
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De notícias e não-notícias faz-se a crônica | Carlos Drummond de Andrade
Muito já se falou sobre a crônica ser um gênero menor (assim como a pecha que leva o romance policial e a ficção científica, por ex.), bem como sobre o fato dela ser um texto tipicamente brasileiro. Menor por que brasileiro? Será? Bem, como disse o dramaturgo espanhol Fernando Arrabal: “É melhor ser grande na casa da gente do que pequeno na casa dos outros”.
Maledicências à parte, a crônica é um dos gêneros literários – sim! – mais populares no Brasil. De linguagem oral e enxuta de viés quase jornalístico, a crônica exprime um recorte da vida cotidiana. De forma ligeira e coloquial, mas nem por isso menos poética, a crônica remonta ao primeiro documento escrito em terras tupiniquins: a Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal. Relato descritivo do espanto de Caminha diante da paisagem natural, da fauna e da flora, e da paisagem humana, com referência aos costumes dos povos originários.
Tomando a liberdade de dar um salto temporal para o século XIX (de modo que esta resenha não pareça uma tese), a estrutura clássica do gênero literário crônica “texto curto de observação do cotidiano” se moldou a partir da publicação em periódicos por grandes autores como José de Alencar e Machado de Assis. Essa presença semanal ou quinzenal em jornais garantia ao autor, o retorno financeiro imediato que muitas vezes os escritores não encontravam através da literatura. Ocorre que a crônica se popularizou assim como os romances de folhetim; histórias publicadas em capítulos nos jornais, onde o final de cada capítulo deixava um gancho e os leitores em suspense, ávidos pela continuação na próxima semana, o que alavancava as vendas dos jornais, de modo que, devido ao sucesso da narrativa, a obra posteriormente era publicada integralmente em livro. Mas, ao contrário do folhetim, que foi substituído pelas novelas televisivas, a crônica vingou e segue firme e forte em veículos de comunicação como os jornais, as revistas semanais e também em sítios da internet.
Grandes autores brasileiros sobreviveram ou sobrevivem como jornalistas e também tiram lá os seus trocos com a publicação de crônicas em colunas semanais ou quinzenais em um ou mais periódicos espalhados pelos Brasis. Algo mais rentável ou, pelo menos, de retorno financeiro mais imediato do que um romance, um livro de contos, ou pior, de poesia.
A crônica pode até ser a prima pobre da literatura brasileira, mas isto não impediu a criação de um cânone, tendo como mestre do gênero o capixaba Rubem Braga com mais de 15.000 crônicas escritas, sendo boa parte delas ainda inéditas em livro. O Velho Braga, predominantemente cronista, poeta bissexto, é o homem que inventou a crônica como a conhecemos hoje. Mestre confesso de seus colegas de geração, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos (que o apelidou de “fazendeiro do ar”, se apropriando do título de uma obra de Carlos Drummond de Andrade), este último também seguidor fiel do cronista.
E aqui – até que enfim! – chegamos ao motivo dessa resenha, impressão de leitura, quase-ensaio ou coisa-que-o-valha, que é o livro De notícias e não-notícias faz-se a crônica do poeta-maior-e-cronista mineiro Carlos Drummond de Andrade.
Publicado em 1974, o livro é composto por 68 crônicas que são estruturadas em “capítulos” que emulam os cadernos de um jornal. Cada parte traz um número de crônicas pertinentes a temas como “Nacional”, “Internacional”, “Política”, “Editorial”, “Cidade”, “Comportamento”, “Gente”, “Sociedade”, “Moda”, “Artes & Letras”, “Cultura & Ensino”, “Saúde”, “Ecologia”, “Montanhismo”, “Consumo”, “Polícia”, “Economia & Mercado”, “Caderno Infantil”, “Classificados” e “Festas”.
Impossível não se divertir com o humor do poeta impresso em cada página de leitura tão rápida, agradável e nem por isso menos edificante. Afinal, com as crônicas do poeta o leitor aprende brincando. Engana-se quem pensa que para se alcançar a economia verbal e a simplicidade, não haja uma luta corporal ou como diria o próprio poeta “a luta mais vã” com a palavra diante do tique-taque do editor na redação que precisa fechar a pauta para ontem, embora volta e meia receba a famigerada crônica no último minuto antes de rodar o jornal.
O cronista clássico pega da pena ou se senta em frente à máquina de escrever. O cronista moderno ou contemporâneo, diante do computador. Não importa. Diante disso ou daquilo é sempre a mesma página em branco (ou tela). Rubem Braga (volto a ele) foi mestre em escrever sob pressão, de última hora, sobre a falta de assunto, escrever sobre nada, de modo tão instigante que o leitor não consegue despregar os olhos da crônica antes do seu desfecho.
Em De notícias e não-notícias… Drummond mostra que bebeu do mesmo copo e ensina o Bê-á-bá subvertendo o gênero. Algumas crônicas presentes no livro se tornaram clássicas como a do taxista livreiro em “Compre no táxi”, a revolta do “Recalcitrante”, o menino batizado de Ministro em “Serás Ministro”, o umbigo de fora das moças em “Umbigo” (esta que lembra muito coisas de Vinícius), a incrível “Calça literária” de uma jovem, toda ilustrada com versos célebres de poetas brasileiros, entre umas e outras.
Enfim, De notícias e não-notícias faz-se a crônica é um livro que se lê com prazer, com um sorriso estampado no rosto, entre espantos e risadas e, se possível, de uma sentada só. O leitor termina de ler uma crônica e até ameaça colocar o marcador ou marca-página, mas logo pousa os olhos no título do texto seguinte e, curioso, pensa só em dar uma espiada no primeiro parágrafo, mas logo é enredado e, quando vai ver, já devorou metade do livro ou o livro todo. Guloso!
E eu resenhista, ops, resenheiro menor (perdoai…) que sigo à deriva ou singro à deriva ao sabor do vento, fico por aqui, nesta quase crônica sobre a crônica dos grandes e verdadeiros cronistas.
Um brinco esse Drummond, o nosso Drummond! Um brinco!
Edição lida:
DRUMMOND de Andrade, Carlos, De notícias e não-notícias faz-se a crônica, 208 p., 8ª ed. – Rio de Janeiro: ed. Record, 2004.