Desconstruindo mitos masculinos em “Nave Alienígena”, de Divanize Carbonieri – Por Luiz Otávio Oliani
Luiz Otávio Oliani é professor e escritor. Publicou 18 livros, incluindo poesia, conto, teatro e literatura infantil.
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Desconstruindo mitos masculinos em “Nave Alienígena”, de Divanize Carbonieri
Em “Nave Alienígena”, 1ª edição, São Paulo, Cálida, 2022, Divanize Carbonieri mergulha na alma masculina com uma lupa e faz o percurso inverso. É a mulher que criou o macho para estudá-lo em sua inteireza.
Procedimento oposto foi realizado em “Nojo”, mas é aqui que o conhecimento de mundo suplanta qualquer expectativa. E Divanize mostra que conhece bem o nosso universo, o universo dos homens.
Na orelha do livro, a jornalista e escritora Mara Magana cita que a linguagem de Divanize Carbonieri é diferenciada, ao dar vazão a personagens masculinos que refletem a imagem que fazem de si próprios.
No prefácio, Sandra Godinho cita que em “Nave Alienígena”, tanto a sexualidade quanto a masculinidade tóxica são tratadas nos sete contos narrados em voz masculina. É impossível não apreciar tal literatura, é bom fazê-lo, pois ainda se corre o risco de se tornar alienígena de si mesmo.
Algumas considerações sobre os contos ratificarão no exposto por Mara Magana e Sandra Godinho.
Em “Gols”, p.165, os homens se revelam nos encontros amorosos, o ato preparatório ao amor, as decepções, os problemas sexuais, tudo está no conto.
A sanha de macho predador, de fodão, de comedor de bocetas aparece na página 16: “Prometi a mim mesmo que, caso conseguisse levar a princesa para os finalmentes ainda naquele sábado, presentearia o Mancini com um Macallan 21.”
O não pegar garotinhas, que isso poderia implicar em crimes está na página 19: ” …fujo da tentação das menores de idade, como o diabo foge da cru, pois conheço alguns descuidados que se deram mal por causa desse pequeno e delicioso vício.”
A decepção por não ter mais a virilidade de antes está na página 36: “Há uns 3 anos passei a precisar dos abençoados azuizinhos.”
No segundo conto “Sempre no comando”, p. 39, o narrador conta a relação com Valdo, um influencer que discutia nas redes sociais sobre temas polêmicos como aborto. Todavia, no decorrer da leitura, o passado nebuloso dos personagens vem à tona com uma viagem a Ouro Preto, sexo, maconha, álcool e a descoberta do encontro com uma nave alienígena, o que justifica o título da obra.
Em “Pura selvageria”, p. 67, um escritor dá opiniões extremamente preconceituosas e grosseiras a Manuela, uma jovem de 25 anos que lhe submeteu alguns originais à leitura. A fala masculina é devastadora, quando o personagem fiz que a aspirante à escritora deve ler uma lista de 100 romances, estudando-os. O trecho que chama atenção é: “Dedique a esse empreendimento de leitura todo o tempo que lhe for possível e também a energia que a juventude lhe proporciona. Acredite-me: ela não vai durar muito “, p.69
Há uma gama de truculências verbais impostas à personagem, como se ela não pudesse ser escritora, pois, de acordo com ele, demoraria muito para angariar o cabedal literário necessário a tal.
Ao fim, o personagem justifica o título do conto, com a exposição das palavras em estado de selvageria, em estado bruto, sem trabalho algum de carpintaria verbal, p.67, é um conto que surpreende ao final, pois, depois de tudo o que é dito a aspirante à escritora, nas páginas 80 e 71, é possível perceber que Manuel Zambraia se apoderou do romance de Manuela, mudando o título e sagrando-se vencedor no concurso Prêmio Galo de Ouro.
Trata-se da maior desfaçatez do mundo, e Divanize Carbonieri mostra os riscos a que autores novatos estão expostos no meio literário. O roubo de ideias, a apropriação ilícita de textos alheios, uma atitude execrável na seara dos escritores.
“Desculpa”, p.82, é um desabafo por meio de e-mails. Um homem extremamente apaixonado gravava áudios para a mãe, que estava no trabalho.
Nestes áudios, revelava a paixão avassaladora por uma mulher, que se tornaram esposa e mãe do filho dele. Mas a relação ruiu até um fim trágico.
A narrativa ágil prende o leitor, agarrando-o à obra:
“(…) desisti de pensar em qualquer outra pessoa, de pular cerca, tive chance, tive oportunidade, um monte de mulher atrás de mim, muito mais bonita que ela inclusive, se eu quisesse, podia sair escolhendo, mas fui besta, não aproveitei, (…) tudo pra dar atenção pra ela, dar valor pra ela(…)”
E ele confessa: “(…) nunca pensei que ela fosse né largar, que teria coragem, homem como eu não existe por aí, será que ela não vê isso, não viu isso, mãe(…) “, p.87.
O quinto conto é ‘Maldito sentimento”, p.96, no qual um homem viciado em sexo não consegue escapar à sina masculina. Merecem destaque os trechos “(…) quando a gente tem a sorte de achar uma novilha bonita, a probabilidade maior é ser chata pra caralho.”, p.96;
” Acho deprimente pagar puta, mas se não tem tu, vai tu mesmo”, p.96; “Mas tô viciado num bundão, fazer o quê?”, p.98;
“(…)nem sempre curto plastificar o pau. Chupar nela com papel, que graça tem!”, p.100; e “Eu tenho uns colegas gays, que não sou homofóbico. Na verdade, acho até bom ter bastante boiola porque sobra mais cabrita pra mim.” p.101.
Em “O trançado”, p.118, cabe ressaltar tão só a verve do narrador no mundo do crime e imerso no sexo, como se lê nos trechos: “Não fiz esforço pra aliciar Klevinho.”, p.123;
“Peladinha? Não é sempre que me aparece um filé desses.”, p.120;
“Gozei sozinho, sem nem encostar no pau. A porra melando a cueca. Tinha treze anos, só hormônio no corpo”, p.135, e “Depois disso aprendi várias técnicas pra obter prazer do corpo das vadias que pegava.”, p.127.
O último conto do livro é “Rosa ascensionada”, p.129, aborda temas relevantes como a fé cega, o uso espúrio da religião e o aliciamento sexual de quem se envolvia com uma ordem, que se dizia espiritual, mas possuía integrantes fanáticos por na busca da solução dia problemas materiais.
Já o professor e escritor Clark Mangabeira, no posfácio, enfatiza que Carbonieri desafia, incomoda, faz refletir sobre as ações masculinas, sobre o agir em relação às mulheres, em uma análise cruel do machismo predominante na sociedade brasileira.